Selecionador nacional de estrada fala na missão iniciada em finais dos anos 90
O ciclismo português tem de
“continuar a afinar a viragem” no processo de preparação dos jovens talentos,
missão iniciada em finais dos anos noventa e que tem rendido frutos, defendeu
hoje o selecionador nacional de estrada.
“Podemos trabalhar muito bem,
mas, se não participarmos nas corridas internacionais e ao melhor nível, não
fazemos nada, todo o trabalho não passa daqui e acabamos por não ter
resultados. Temos de trabalhar bem e pô-los sempre nos melhores palcos, onde se
afina o resto e os talentos descobrem-se a eles próprios”, frisou à Lusa José
Poeira.
A liderança de João Almeida na
Volta a Itália em bicicleta e a nona etapa conquistada por Ruben Guerreiro são
“êxitos que já ninguém pode tirar” e coroam uma “grande prestação individual”,
reforçando o “bom trabalho” da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), que
procura testar “há alguns anos” em “corridas importantes” o potencial jovem do
país.
“Nas provas com seleções, cada
país escolhe os melhores que tem e não há maus corredores. Estando nesses
palcos, claro que o nosso ciclismo é diferente. Somos um país periférico, estamos
quase isolados e quando esses jovens têm oportunidade de ir uma e outra vez,
começam a crescer e a mostrar o seu valor e talento”, considerou.
José Poeira enaltece a
“política muito acertada” de Artur Lopes e Delmino Pereira na presidência da
FPC, cujo “investimento está agora a dar resultado”, notando que “deslocar toda
a máquina” para competir no centro da Europa “dá grandes despesas”, enquanto
outros países “estão lá perto e correm juntos em quase todas as competições”.
“Viragem? Foi em 1997, mas antes já
participávamos em grandes provas. O Sérgio Paulinho foi ouro em cadete nas
Jornadas Olímpicas da Juventude de 1995 e o Cândido Barbosa foi campeão da
Europa sub-23 em 1996. Daí para a frente, começámos a ter sucessos mais
frequentes e a trabalhar com mais regularidade com os jovens”, lembrou.
Se “a fronteira era uma
barreira”, desbloquear o acesso ao estrangeiro cultivou “gerações diferentes e
com outras possibilidades”, como atestaram a prata olímpica de Sérgio Paulinho
em Atenas2004, a vitória na Taça das Nações sub-23 em 2008 e as carreiras
desbravadas por Rui Costa, Tiago Machado ou Nélson Oliveira além-fronteiras.
“Naquela altura mostraram-se,
seguiram em frente e hoje são dos melhores profissionais que há pelo mundo.
Claro que a atual geração está a fazer mais ou menos a mesma coisa, por isso
acredito que está mais ou menos assegurado a continuidade a nível profissional
em termos de corredores com talento”, afiançou José Poeira.
Dessa linhagem faz parte João
Almeida (Deceuninck-Quick-Step), de 22 anos, oriundo das Caldas da Rainha e em
plena estreia no escalão WorldTour, após ter sido campeão nacional de
contrarrelógio e de fundo sub-23 em 2019, vencido o Liège-Bastogne-Liège sub-23
em 2018 e ficado em sétimo na Volta a França do Futuro do mesmo ano.
“Tinha 12 corredores
escolhidos para um estágio de cadetes, estava a pesquisar classificações e
reparei no João, que fez sétimo lugar numa prova e não tinha histórico para
trás. Achei pertinente, falei com o diretor da equipa e avisaram-me que ele tinha
alguma coisa especial. De facto, notámos que estava muito acima da média”,
contou.
Já Ruben Guerreiro (Education
First), de 26 anos e natural do Montijo, evoluiu com os norte-americanos da
Axeon (2015-2016) e da Trek (2017-2018) e os suíços da Katusha-Alpecin (2019),
sobressaindo o 17.º posto na Volta a Espanha de 2019 e o título nacional de
fundo sub-23 em 2016, quando foi bronze na Liège-Bastogne-Liège sub-23.
“O Rui Costa e o Ivo Oliveira
fazem um excelente trabalho numa equipa de WorldTour [UAE Emirates Team]. Outro
corredor com qualidades para lá estar é o André Carvalho. Há uma série de
jovens corredores a aparecer e a mostrar valor. Temos de trabalhar muito com
eles agora. Se não o fizermos, estamos a hipotecar o futuro”, aconselhou.
Rui Costa, Ivo Oliveira,
Nélson Oliveira e Ruben Guerreiro integraram a comitiva portuguesa nos Mundiais
de estrada de Imola, em Itália, que decorreram em setembro e se restringiram a
elites, sem o contributo do ainda sub-23 João Almeida, potencial candidato a
próximas edições, a quem não quis “precipitar muito as coisas”.
“Foi uma aposta, não é tirar
nem pôr méritos a ninguém. Tinha pensado e ele aceitou correr nos sub-23. Não
há vencedores antecipados, mas poderia ser campeão do mundo e ficar na
história. Só que as coisas mudaram todas à última hora e tínhamos os planos
feitos desta forma. Um dia há de discutir um Mundial, se não o ganhar”,
concluiu.
A 103.ª edição da Volta a
Itália cumpre hoje o primeiro dia de descanso e regressa na terça-feira, com a
10.ª etapa, que liga Lanciano a Tortoreto em 177 quilómetros.
Fonte: Sapo on-line
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