Ciclista holandês assume que os dias passados nos Cuidados Intensivos foram os mais duros da sua vida
Por: Fábio Lima
A queda de Fabio Jakobsen na
Volta à Polónia foi um dos momentos do ano no ciclismo e pela primeira vez o
holandês acedeu a falar sobre o sucedido. Numa longa entrevista ao jornal AD, o
ciclista da Deceuninck–Quick-Step falou das sequelas que tem daquele fatídico
dia, mas também a forma como tudo se processou no sprint do qual saiu vencedor,
mas direto a uma cama de hospital.
"Para a maior parte dos
ciclistas aquela era a primeira prova depois da paragem devido à Covid.
Conhecia o percurso, pois tinha corrido lá um ano antes. Esquerda, direita, e
depois uma reta até Katowice. A meta era a de sempre: numa descida. Lembro-me
que tive boas sensações durante a prova. Lembro-me de ter acenado ao meu colega
Julius [van den Berg] e depois ter entrado no último quilómetro logo atrás do
Davide Ballerini e do Florian Sénéchal. É a última coisa que me lembro. O
resto, depois disso, é uma página em branco", começou por lembrar.
As consequências daquela
brutal queda, quatro meses depois, ainda se sentem e Jakobsen elenca-as sem
problema. "Contusão cerebral, fraturas no crânio, nariz partido, sem
paladar... Dez dentes perdiso e parte da mandíbula superior e inferior
desaparecida. Cortes na cara e na orelha. Um dedo partido. Contusão no ombro,
pulmão... Um nervo do cordão vocal afetado. Nádegas bastante arranhadas... O
primeiro impacto foi na minha cara, mas depois atingi aquele homem com o meu
rabo. E isso foi a minha sorte... tenho um grande rabo!", atirou entre
risos o ciclista, que lembrou o pânico que sentiu no hospital.
"Pensei que estava a
morrer. Estava a lutar, derrotado, sentia pânico. Foram os dias mais largos da
minha vida. Nunca tinha sofrido tanto. Prefiro fazer três Grande Voltas de
seguida do que passar um dia nos cuidados intensivos. Estava lá deitado como um
zombie, como se fosse de outro planeta. Mas ao mesmo tempo conseguia pensar nas
coisas. Ouvi e vi o que se estava a passar em minha volta.
No quarto ao lado estava outro
paciente. Do nada soa um alarme durante muito tempo. Depois calou-se e uns
minutos depois começo a ouvir um daqueles carrinhos a ser empurrado no
corredor. Daqueles que levam os corpos para a morgue...percebi logo: isto é
grave. As pessoas morrem aqui. Sabes, fui visitado por um padre por duas
vezes..."
"Perguntaram-me se ele se
podia sentir na cama e eu apenas acenei. Não sou religioso, mas pensei 'mesmo
que não funcione, mal não fará'. Teria agido da mesma forma se tivessem enviado
outra pessoa. Estava desesperado, só queria ficar vivo. Não faço ideia do que
ele me disse. Estava a ler algo num livro em italiano. Talvez tenha rezado pela
minha sobrevivência, mas tanto quanto sei estava a arranjar um lugar para mim
no paraíso".
E mesmo falando de forma cruel
sobre o sucedido, Jakobsen não perdeu nunca o humor, especialmente quando falou
do seu rosto. "Não está tão mal assim. Ainda tenho um lábio com a marca do
embate e o meu nariz parece que saí de uma luta com o Mike Tyson. Mas o maior
dano é cá dentro. No próximo mês de fevereiro vou sempre operado de novo e ter
implantes para reconstruir os meus dentes. É um processo que vai demorar,
talvez no próximo outono volte a ter dentes".
Namorada
lembrou drama vivido à distância
À distância, na Holanda, a sua
namorada Delore assistiu a tudo e na mesma entrevista recordou a forma como
viveu aqueles momentos que pareceram uma eternidade. "Os últimos dez
quilómetros deixam-me sempre nervosa, pois é quando a luta começa. Nesse
momento vou sempre ver outra coisa. Continuo atenta à prova, mas tento
distrair-me. Nesse dia foi igual.
Estava a fazer outras coisas
quando o meu pai começar a gritar da cozinha a dizer que o Fabio ia na frente e
que ia ganhar. Então fui logo ver. Vi-o a sprintar, a desviar-se e do nada
vejo-o do outro lado das barreiras. Foi tudo tão rápido. Na repetição vi que
ele tinha atingido um homem e embatido na barreira da meta, o capacete a
voar.... Soube logo que era grave.
Liguei ao médico da equipa,
mas ele não me conseguia dizer nada, exceto que o Fabio estava inconsciente. No
Twitter só lia histórias horríveis. Não conseguia fazer nada, mas estando ali
rezar não iria fazer mal nenhum. Meia hora depois, fiz uma mala e fui para a
Polónia. Na mesma noite toca o telefone, era o médico da equipa. Deixei tocar
por uns segundos, com medo de atender. Estava com medo de ter más notícias, de que
o Fabio tinha morrido".
Fonte: Record on-line