Por: Miguel Marques
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
José Azevedo lançou esta
segunda-feira, em declarações à Agência Lusa, fortes críticas ao atual estado
do ciclismo português, denunciando um "retrocesso" no combate ao
doping e elogiando o trabalho anteriormente desenvolvido pela direção da Federação
Portuguesa de Ciclismo (FPC), liderada por Delmino Pereira.
O diretor desportivo da Efapel
Cycling, que anunciou que a equipa vai privilegiar o calendário internacional
em detrimento das competições nacionais já em 2026, sublinhou a importância de
"aplicar os regulamentos" para garantir credibilidade à modalidade.
"É preciso haver
consciência, ética, fair-play e respeito pelos adversários e por quem investe.
E isso foi feito com a direção anterior [da FPC]. Era um caminho de sucesso que
estava a ser construído. Muitas vezes falei com o Delmino, que conheço há
muitos anos, e ele sabe que sempre fui um dos grandes defensores da implantação
do passaporte biológico e da verdade desportiva", afirmou Azevedo.
O antigo ciclista recordou
que, mesmo em prejuízo próprio, sempre defendeu a aplicação de regras na sua
equipa. "Infelizmente, tive situações de atletas que não estavam neste
projeto, mas que tiveram implicações e tiveram de abandonar o ciclismo. São
pessoas por quem tenho estima, porque enquanto estiveram na Efapel tiveram um
comportamento exemplar. Tenho o máximo respeito por eles. O que está para trás
não vou julgar. Mas tomei medidas, porque nesta equipa há regras de que não
abdico. Talvez sejamos os únicos a trabalhar dessa forma", destacou.
As palavras de Azevedo remetem
para os casos de Rafael Silva e João Benta, antigos corredores da Efapel
suspensos devido a anomalias no passaporte biológico.
Para o diretor desportivo,
"tudo funcionava" durante a presidência de Delmino Pereira,
substituído em novembro por Candido Barbosa após cumprir o limite de mandatos.
"Este ano, porém, está a haver um retrocesso. A verdade é essa. Não sei porquê,
mas houve um retrocesso. Isso não pode acontecer, porque é penalizador. Claro
que nos leva a ponderar se vale a pena continuar a investir no ciclismo
português", alertou.
Azevedo deixou ainda críticas
ao abandono da formação e à falta de apoios. "Havia apoios da federação
para a formação, mas foram cortados este ano. Isso cria dificuldades a todos,
porque os investimentos na formação são mais reduzidos", denunciou.
O responsável da Efapel
considera essencial juntar todos os intervenientes da modalidade para discutir
o futuro, mas frisou que isso só faz sentido se for possível deixar de lado
interesses pessoais. "Era muito importante conseguir reunir todos os atores
e falar sobre ciclismo. Mas só faz sentido se as pessoas convidadas tiverem a
capacidade de esquecer que estão à frente de uma equipa", defendeu.
Para Azevedo, o ciclismo
nacional precisa de ser repensado de forma estrutural. "É possivelmente a
segunda modalidade mais popular em Portugal. Não tenho dúvidas de que as
empresas o veem como um excelente veículo publicitário. Mas precisa de ser repensado.
Se tiver que ir mais abaixo para construir de novo, não há problema
nenhum", sustentou.
Na sua perspetiva, o panorama
atual está longe do ideal: "O ciclismo anda a puxar a manta, mas deixa
sempre algum bocado destapado. Andamos quase a enganar-nos uns aos outros. Se
tiver de começar da base, que comece. Talvez daqui a cinco ou dez anos tenhamos
um desporto sólido, em que as pessoas acreditam, com investimento, salários
dignos e retorno mediático para as marcas. Nesta altura, a verdade é que não
conseguimos fazer isso, porque não temos comunicação social", lamentou.
Face a este cenário, a Efapel
prepara-se para dar prioridade ao calendário internacional. "O projeto
Efapel foi repensado no futuro e, no próximo ano, nós vamos procurar calendário
internacional, vamos tentar competir o máximo possível no calendário
internacional, e possivelmente em Portugal não iremos competir", anunciou
Azevedo, revelando que a decisão surgiu quatro anos após a fundação da equipa.
"Não é uma decisão fácil,
não é a decisão que nós, possivelmente, mais desejávamos, mas eu acho que, no
contexto atual do ciclismo português, uma equipa como a nossa, que se baseia em
princípios e comportamentos de ética, de rigor a nível disciplinar, não há
vontade de continuar a fazer parte do ciclismo português", reconheceu.
O desencanto é tal que o
próprio diretor desportivo admite sentir dificuldade em motivar os jovens da
formação. "Então o que é que eu tenho de fazer para fazer algum sentido
este investimento? É procurar um calendário internacional, que é o ciclismo em
que eu acredito, que é o ciclismo em que eu me revejo, e isso dá aos miúdos o
alento de sentirem que nesse ciclismo têm futuro. Infelizmente, em Portugal não
há futuro ou o futuro não se vê muito risonho", desabafou.
Sem querer concretizar nomes,
Azevedo recordou que "no final do ano, todos os anos, há problemas",
numa alusão aos casos de doping conhecidos recentemente ou comentados nos
bastidores. "Não se pode permitir que, por exemplo, no ano passado, haja
corredores a ganhar provas, quando todos nós sabemos [que vão ser suspensos].
Se calhar não existe motivo para suspender os contratos, mas as equipas podiam
deixá-los em casa. Para a verdade desportiva prevalecer, um corredor não
deveria estar a competir quando está um processo aberto. E isso compete às
equipas e à federação tomar medidas, porque se não vamos descredibilizar o
ciclismo", defendeu.
O quinto classificado da Volta
a França 2004 e da Volta a Itália 2001 reforçou a importância do passaporte
biológico. "Há dois anos criou-se esta ferramenta que foi muito
importante. E isso aí foi algo de muito positivo. Deveria ser usado como um instrumento
de credibilidade. Mas para isso tem de haver rigor. Rigor, 100%. Não pode haver
99%", frisou.
Desiludido, Azevedo garante
que o futuro da Efapel passa longe do calendário nacional: "Não vale a
pena. No próximo ano, o nosso caminho é esse. Vamos procurar um ciclismo em que
a gente acredite. Se depois este projeto vai durar um ano, dois anos, isso o
futuro dirá." Ainda assim, não fecha portas a um regresso: "Temos que
mudar a direção, porque este contexto de ciclismo português para nós está
esgotado. E um dia que isto mude, possivelmente voltamos a apostar no
calendário português. Enquanto se mantiver estes moldes, não vamos estar".
Com a nova aposta
internacional, a equipa pode mesmo ficar ausente da Volta a Portugal.
"Poderemos fazer provas em Portugal, não vou dizer que não, mas não é a
nossa prioridade", concluiu.
Créditos da foto: Jornal
Record
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