Por: CSS // ROC
Dois ciclistas com 89 e 84
anos que passaram a vida a construir estradas e na assistência a automóveis,
são agora mais conhecidos, na Lousã, por percorrerem de bicicleta o caminho do
envelhecimento ativo e saudável.
A Lousã, no interior do
distrito de Coimbra, tem pergaminhos nas atividades velocipédicas, com provas
de ciclismo ao longo do século XX, a que se juntaram nas últimas décadas
eventos cicloturísticos e competições com motos de nível internacional.
Mas foi a necessidade de
transporte próprio na juventude que permitiu a José Fernandes, antigo operador
de máquinas pesadas, e João Francisco Carvalho, que trabalhou em estações de
serviço, estarem hoje entre os reformados mais populares de um concelho
montanhoso onde diariamente continuam a pedalar pela sua saúde.
Nascido em 1930, José
Fernandes completa 90 anos em dezembro.
É conhecido na zona por Zé
Maquinista, epíteto que herdou do pai, José Jacinto, e que não rejeita
precisamente porque ambos exerceram a profissão na antiga Junta Autónoma de
Estradas (JAE).
“Nasci e batizaram-me logo
como Maquinista”, graceja, durante a reportagem da agência Lusa.
Ainda jovem, fez o curso que o
habilitaria a guiar as máquinas na construção de estradas, barragens e
aeroportos do país. Na empresa Alves Ribeiro, queriam que tirasse a carta de
motorista de veículos ligeiros e pesados.
“Eu era o único maquinista que
sabia ler”, explica, para esclarecer que trabalhou por duas vezes na
construtora, antes e depois da JAE.
Sempre que era preciso,
conduzia “uma camioneta que não tinha motorista destinado”, não podendo sair
dos troços onde decorriam as empreitadas.
Aos 12 anos, “já tinha a carta
de ciclista”, obtida na Câmara da Lousã, após José Jacinto, que percorria
grandes distâncias ao volante das máquinas da JAE, ter ensinado ao filho os
sinais e regras de trânsito.
“Por necessidade e prazer”,
José Fernandes faz compras, visita amigos e vai às repartições no seu veículo
de duas rodas.
O Governo aponta para a
existência de 7.000 quilómetros de vias cicláveis em Portugal, dentro de 10
anos, contra os atuais 2.000 quilómetros.
“Andar de bicicleta faz
movimentar o corpo todo. É melhor para a saúde do que andar a pé”, defende José
Fernandes.
Se estiver bom tempo, afirma,
“todos os dias ando de bicicleta”, chegando a ir com outros ciclistas almoçar a
Miranda do Corvo, a oito quilómetros de casa.
No regresso, na descida mais
íngreme do percurso, diz que não usa travões: “É a velocidade que a bicicleta
der”.
Este exercício proporciona “um
envelhecimento com mais saúde”, congratula-se, enquanto lamenta que pessoas
mais novas não preservem de igual modo a qualidade de vida.
Mais conhecido localmente por
João Fão, o conterrâneo João Francisco Carvalho tem raízes na Ponte Velha,
muito perto do local onde a mítica Estrada Nacional 2 cruza os municípios de
Lousã e Vila Nova de Poiares.
O antigo operário do ramo
automóvel nasceu no auge da ditadura do Estado Novo, em 1935, e faz 85 anos em
novembro.
Diariamente, percorre a vila
montado na bicicleta. Teve carta de pesados, mas deixou-a caducar quando se
reformou.
Só precisava dela na estação
de serviço, “para experimentar os carros”, aos quais mudava o óleo, calibrava
os pneus e alinhava a direção, entre outros trabalhos.
“Eu aqui corro tudo de
bicicleta”, salienta, contando que às vezes vai a Poiares e arrisca mesmo
trepar a serra da Lousã. Nas subidas acentuadas ou quando está cansado, tem na
bicicleta “uma bengala bestial” com que se ampara.
“Quando me falta a bicicleta,
sinto logo. Aquilo dá uma saúde às pernas que é uma maravilha”, assegura.
João Malva, investigador
coordenador da Faculdade de Medicina de Coimbra, recomenda algumas atividades
para um envelhecimento ativo e saudável.
“Não basta dar anos à vida se
esses anos vão ser de má qualidade. É sobretudo necessário dar mais vida aos
anos que tempos para viver”, preconiza.
A dependência de cuidados
“retira qualidade de vida e dignidade à condição humana”, cabendo à sociedade
investir na prevenção, segundo o coordenador do Ageing@Coimbra, um consórcio
que valoriza o papel do idoso na comunidade e promove “boas práticas em prol do
seu bem-estar geral”.
“Devemos estimular a adoção de
estilos de vida saudáveis de modo a evitar a doença”, sublinha o especialista.
Correr, caminhar, nadar e
andar de bicicleta “têm um benefício muito significativo na qualidade de vida
das pessoas”, com reflexos positivos na idade avançada.
João Malva, que não conhece
pessoalmente José Fernandes e João Carvalho, define-os à luz dos objetivos do
Ageing@Coimbra e das atuais políticas da União Europeia nesta área.
“São exemplos vivos de um
envelhecimento de qualidade que aqui se relaciona diretamente com o seu hábito
de prática de exercício físico diário”, conclui. Velhos, afinal, sãos os
trapos.
Fonte: Lusa