Por: SIF // AMG
Os ciclistas do pelotão
português de estrada ouvidos pela Lusa não escondem sentimentos como a
frustração e a “injustiça” por uma paragem competitiva que se arrasta desde
novembro, devido aos efeitos da pandemia de covid-19.
“Não se compreende. Qualquer
outro desporto profissional está a seguir, exceto o ciclismo. [...]
Mentalmente, temos de ser fortes, mas por isso é que somos ciclistas. A 10 de
abril [data para o regresso]... porque não já no final de março, se podemos e
temos autorização enquanto desporto profissional? Que mal há nas corridas?”,
questiona, à Lusa, o ciclista da Rádio Popular-Boavista João Benta.
Mesmo que compreendam o adiamento
da Volta ao Algarve, que protelou o arranque da temporada para abril, altura em
que estão programadas pelo menos quatro provas sob a alçada da Federação
Portuguesa de Ciclismo (a Prova de Abertura, a Clássica Aldeias do Xisto, a
Clássica da Arrábida e a ‘Algarvia’), a retoma parece “tardia”, comenta à Lusa
Tiago Machado (Rádio Popular-Boavista).
Machado lembra que os
ciclistas profissionais poderão chegar a abril com meio ano de ausência de
corridas, apenas em treinos, e “treinar não é competir”, muito menos para poder
“estar à altura das exigências” aquando do regresso, e nota que a situação do
país quanto à covid-19 vai conhecendo, por estes dias, “outros números, mais
animadores”.
Quinto classificado na Volta a
Portugal de 2020, Benta lembra que “os ciclistas têm famílias para sustentar,
vivem das equipas”, e estas “vivem dos patrocinadores, que vivem da
publicidade”.
Sem corridas, diz, há o receio
de que se possa “desenrolar uma bola de neve” que leve a cortes salariais e
outros problemas de liquidez no setor, um medo partilhado por outros colegas de
profissão.
Sérgio Paulinho, que este ano
se vai estrear pela LA Alumínios-LA Sport, explica à Lusa que os ciclistas
entendem as limitações, mas “não deixa de haver frustração quando se vê outros
a poderem praticar o seu desporto”.
Já outro dos ‘veteranos’ do
pelotão, o espanhol Gustavo Veloso, aos 41 anos a viver a última época como
profissional, na Atum General-Tavira-Maria Nova Hotel, após oito anos na
estrutura da atual W52-FC Porto, quer que o pelotão possa “continuar a
trabalhar” perante uma “situação complicada” em que só resta “ser
profissional”, mesmo que se torne “duro psicologicamente” treinar sem competir.
“Sei que os organizadores e a
federação estão a fazer esforços, mas era preciso também que o Governo
português facilitasse. O desporto é parte da solução para ter uma boa saúde,
não dos atletas, mas de todas as crianças e adeptos do desporto, para quem
muitas vezes somos motivação. No fim de contas, é uma corrente em que está tudo
ligado”, comenta à Lusa.
Também o galego vê esta como
“uma situação injusta quando há outras modalidades a decorrer”, até porque “o
ciclismo mostrou” em 2020 que “era possível fazer competições sem haver um
teste positivo”.
Lembrando as medidas de
segurança, de testes PCR à realização de um sistema de ‘bolhas’ de segurança
durante as provas, entre outras, e que os adeptos podem estar “distanciados ao
longo do percurso e de máscara”, Veloso sublinha que “há famílias” cujo meio de
subsistência é a modalidade.
“Adoro o ciclismo. Este é o
meu último ano, não me afeta, mas não quero que o ciclismo morra, quero que
seja melhor. É um desporto muito lindo, lindo demais para que morra”, atira.
Rafael Silva, que vai
estrear-se este ano pela Antarte-Feirense após sete épocas na Efapel, diz que o
pelotão já estava “um pouco vacinado” depois da experiência em 2020, “aí sim um
choque bastante grande”.
O problema, constata, é que
vão vendo “as outras modalidades a circular e a fazer a vida normal”. “Também
nos sentimos um pouco frustrados, porque queremos ir para a estrada, queremos
trabalhar, e creio que fomos um bom exemplo no ano passado”, destaca.
Se os ciclistas são “testados
e têm todos os protocolos para combater” o novo coronavírus, não podem ser
“grandes causadores de focos”, considera, pedindo “uma oportunidade para
correr”.
“Acho injusto para nós. Não
critico as outras modalidades, terão as suas precauções, também fazem de tudo
para que tudo corra bem. É injusto para nós, que tínhamos todas as condições
para estarmos na estrada”, lamenta.
Ainda assim, afirma querer
“olhar de forma positiva” para o regresso em abril, mesmo que surjam
dificuldades “psicológicas”, para os atletas, e “com os patrocinadores”, ao
nível das equipas, com tanto tempo de paragem.
César Fonte (Kelly-Simoldes-UDO)
lembra que é preciso ter “consciência do que o país está a atravessar” e
entender o adiamento das provas de fevereiro, considerando que o calendário
proposto pela FPC “poderá ser um bom calendário para o ciclismo nacional”.
“Acho que é melhor darem agora
uma margem e quando começar a época haver uma continuidade de corridas até ao
final de agosto e setembro, do que acontecer como no ano passado, em que
voltámos a correr, voltámos a parar, e andámos ali sempre a enrolar, se havia
ou não Volta. Psicologicamente é muito mais difícil para nós”, comenta à Lusa.
Outro problema que João Benta
lembra tem que ver com as camadas jovens, que estão “a ser esquecidas”, há
tanto tempo sem competir.
“Quem está no ativo como
profissional, não será para toda a vida. Se se deixa morrer uma geração de
novos atletas, certamente não haverá futuros ciclistas profissionais”, lamenta.
Fonte: Lusa