Por: Miguel Marques
Foto: Correio dos Açores,
Federação Portuguesa de Ciclismo
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
Natural de São Miguel, João
Medeiros tem vindo a construir um percurso sólido no ciclismo nacional, levando
consigo a identidade açoriana e uma história de superação que começa dentro de
casa. Questionado sobre as origens da sua paixão, o corredor não hesita em
recuar aos primeiros anos, quando acompanhava o pai nas voltas de bicicleta
pela ilha.
"A paixão pelo ciclismo
começa pelo meu pai que costumava dar umas voltas de bicicleta e eu adorava ir
com ele, depois ele começou a organizar as provas em São Miguel e mais dentro
do ciclismo fiquei, com isso começo também a correr nos Açores e mais tarde em
cadete e Júnior vou ao continente correr para ganhar experiência, a verdade é
que quando comecei a ir ao continente correr o choque foi muito grande e
percebi que ainda estava muito longe de ser ‘bom’ foi aí que realmente comecei
a dedicar-me muito ao ciclismo e foi uma paixão e obsessão que veio sempre a
crescer comigo por isso fico muito contente de hoje conseguir fazer da minha
paixão o meu trabalho".
Representar os Açores no
pelotão nacional tornou-o uma referência para muitos jovens da região, mas João
desmonta a ideia de que isso lhe traz mais motivação: o que sente é
responsabilidade. "Não que me dá motivação, mas sim um sentido de
responsabilidade para mostrar aos mais jovens que ambicionam ser ciclistas e
que vivem nos Açores que é possível chegar lá e conseguir estar a lutar pelos
lugares cimeiros! Porque o ciclismo nos Açores não é tão desenvolvido como no
continente e é muito difícil o choque que levávamos quando vamos correr cá
fora, mas foi algo que nunca deixei que me assustasse e trabalhei muito para
conseguir estar taco a taco com eles e sei que é possível mais jovens açorianos
o fazer".
A temporada de 2025 trouxe
vitórias de peso no Grande Prémio Abimota (2 etapas) e no Douro Internacional
(1 etapa), além de uma exibição muito positiva na Volta a Portugal, que
concluiu no top 20. Questionado sobre qual destas conquistas foi mais marcante,
Medeiros revela que todas tiveram um significado especial. "A verdade é
que foram todas especiais! Queria muito estar bem este ano nessas corridas e
quando as coisas surgiram como planeado teve um gosto especial!", começou
por referir.
"A primeira foi como um
alívio muito grande porque fez-me acreditar em mim, e logo após ganhar disse
que no dia a seguir tinha mais uma etapa a ganhar e consegui… estes dois dias
foram os meus preferidos do ano (risos). Quanto à vitória no Douro foi uma
vitória muito importante para mim porque mostrou a raça que tento levar comigo
todos os dias, o nunca desistir e acreditar em mim, ataquei a 55 km com o
pensamento de que iria ganhar e quando o consegui o alívio e a felicidade
caíram sobre mim! Depois ainda consegui fazer uma restante boa época, mas acho
que o meu ponto alto foi até aos nacionais".
A Volta a Portugal continua a
ser uma prova de enorme peso no calendário e, para João Medeiros, esta edição
trouxe satisfação, mas também um conjunto de contrariedades que marcaram o
desempenho. "Depois de uma boa época eu queria muito estar bem na Volta a
Portugal para mostrar que consigo ser um ciclista regular para mim próprio! A
verdade é que embora não tenha sido uma má exibição eu queria muito ter ganhado
uma etapa, sei que era possível e não queria deixar a oportunidade cair, a
verdade é que também algumas coisas não surgiram durante a volta devido a ter
ficado doente durante a mesma e 7 dias antes da volta também tive de ficar sem
treinar durante 3 dias devido a um corte que tive de fazer na zona que me sento
no selim, foi um abcesso que me apareceu naquela região, mesmo no dia que fiz o
corte ainda tentei treinar mas passado 1h tive de ligar ao meu pai porque só me
escorria sangue pelo calção. Tudo isto talvez fez com que não fosse a volta que
mais ambicionasse, mas também não posso ficar desiludido com a volta que fiz
porque nunca me dei por vencido e tentei sempre dar a volta por cima aos azares
e isso talvez foi a maior lição que levei deste ano".
O Campeonato Nacional, porém,
trouxe um dos momentos mais difíceis da sua carreira recente. Depois de uma
exibição de enorme qualidade, João cruzou a meta em 3º, mas acabou
desclassificado, um episódio que confessa ainda não conseguir digerir
totalmente. "Isto é um assunto que ainda hoje não me é fácil falar, estava
na minha melhor forma de sempre e sabia isso, só queria ter a oportunidade de o
mostrar e as coisas estavam a correr como eu queria, faltava 15 km e eu estava
na disputa da corrida…, mas a partir daí algo se desalinhou e tudo descambou,
furei e consegui recolar novamente depois de um FairPlay demonstrado pelo Ivo e
Pedro".
"Depois descolei num
ataque do Pedro, mas sabia que se fosse no meu ritmo iria voltar a chegar lá e
isso estava a acontecer, já os estava a ver à minha frente só que bati num
buraco e fiquei sem mudanças e para piorar ficou nas mais pesadas durante os
últimos 5 km, tudo isto mexeu muito comigo porque sabia que tinha perdido uma
grande oportunidade de ser campeão nacional, algo que acreditava muito que era
possível!"
O pior ainda estava para vir.
"Para ajudar a isto tudo no pódio sou informado que fui desclassificado
porque durante a minha recolagem após o furo dizem que fui agarrado ao carro do
meu diretor! Ao tentar defender-me perante a presidente dos comissários porque
até hoje acredito que não fiz nada de irregular simplesmente ao reentrar
novamente na frente de corrida peguei em um bidon para hidratar a boca e
acalmar os ânimos, percebi que não valeria a pena dizer mais nada porque quando
ela me disse que eu não tinha furado e estava era a descolar da frente da
corrida algo de muito errado existia ali e simplesmente expôs o caso à
federação! Não é um assunto nada fácil para eu digerir até hoje. Não só o facto
de todo o meu azar que me deixou bastante triste, mas também com tudo o que se
desenrolou a seguir".
João Medeiros falou também
sobre as suas características enquanto corredor, explicando que, apesar de ser
geralmente rotulado como trepador, não se limita apenas à montanha. "Sim,
o meu peso e composição física indicam mais que sou trepador, mas a verdade é
que sinto-me também muito à vontade em subidas mais curtas e explosivas, e acho
que poderia ser o meu foco se muitas vezes não estivesse tão magro, o que me
faz perder talvez um pouco da explosão necessária para esse tipo de esforços
mais curtos", explicou.
Ainda assim, acrescenta que a
preparação para etapas de montanha continua a ser central: "Durante o meu
treino tento focar-me mais na montanha e nas subidas mais longas, porque se não
for algo que treine muito também não consigo render depois nas mesmas. Num
resumo sou um trepador que precisa de treinar muita montanha para estar bem nas
mesmas (risos)".
O corredor da Credibom / LA
Alumínios / MarcosCar reforça também a importância da estrutura que o acompanha
desde muito jovem. "Já estou na estrutura do Luís Almeida há sete anos e
muito se passou nestes anos, foi lá que cresci enquanto atleta e enquanto
pessoa. A equipa tem feito de tudo para me ajudar nestes anos e nisso sou-lhes
muito agradecido, por isso espero continuar lá a tentar evoluir e contribuir
para melhores resultados". João sublinha ainda o ambiente interno como um
fator crucial para o rendimento coletivo: "O projeto também cresceu muito
e isso faz-se notar cá para fora! Temos um ambiente muito bom entre todos,
somos todos jovens e todos querem evoluir, o que é muito importante se
quisermos ser melhores ano após ano e estar na disputa das corridas".
Quando a conversa se desloca
para as exigências físicas e mentais do ciclismo, João Medeiros revela uma
visão muito própria sobre o equilíbrio necessário para manter a performance.
"Para mim, o ciclismo é mais mental do que físico, porque os momentos em
que estou melhor fisicamente também são os momentos em que psicologicamente
estou melhor e isso ajuda muito".
O ciclista explica que a
rotina de treinos é construída em conjunto com o seu treinador e que a gestão
do descanso é uma prioridade. "A nível mental, o que tento muito é
melhorar as rotinas pós-treinos e de descanso porque é aí que está a diferença toda.
Se não fizer esta parte bem, no dia a seguir já vou sentir no treino que as
sensações não estão iguais e, se isso se for acumulando, é algo que vai afetar
o rendimento".
O afastamento prolongado dos
Açores também pesa: "Começo a perceber que se ficar muito tempo sem vir a
casa/Açores, a cabeça começa a não conseguir trabalhar da mesma forma, então é
algo que tento falar com a equipa para, em certas fases, conseguir vir a casa
relaxar um pouco".
Sobre referências no pelotão,
João admite que a inspiração foi evoluindo ao longo do tempo. "No início o
meu ciclista preferido era o Alberto Contador e foi nele que sempre me inspirei
enquanto miúdo, mas passado os anos fui ganhando mais admiração por todos os
ciclistas e não posso dizer que tenha só um que me inspire, porque a verdade é
que gosto de muitos".
Para o açoriano, a dureza de
competir internacionalmente muda a forma como se olha para o ciclismo
profissional: "Quando começamos a perceber o quanto custa correr lá fora
já olhamos para eles de forma diferente e realmente todos têm de ser muito bons".
Por fim, ao projetar o futuro,
João Medeiros não esconde as ambições para 2026. "Na próxima época quero
conseguir superar o meu nível de vitórias de 2025 e conseguir estar na
discussão de mais corridas. Mas o foco principal passará pelos Campeonatos
Nacionais e Volta a Portugal, são corridas que quero muito estar bem e para
isso vou trabalhar".
Quanto ao sonho de competir
além-fronteiras, o ciclista mantém os pés bem assentes na terra:
"Ambicionar ir para o estrangeiro é algo que todos nós enquanto atletas
ambicionamos, mas para isso preciso primeiro de fazer uma boa época e é nisso
que me quero focar".
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