Por: André Delgado
Fotos: Sapo/© 2008/DR/@Lusa/AFP
or licensors/Valentin Flauraud/EPA/
Grande entrevista SAPO
Desporto com José Azevedo. Tal como o antigo craque do futebol francês e agora
treinador do Real Madrid, José Azevedo não só teve uma carreira brilhante como
ciclista, mas brilha também a grande altura como diretor desportivo, papel que
lhe tem assentado como uma luva nos últimos anos. Abraçou agora um novo desafio
na equipa francesa Nippo-Delko.
A carreira enquanto atleta de
alta competição sempre foi pautada pelo compromisso. O amor a uma causa em que
mergulhou de cabeça aos 18 anos, deixando de lado outro sonho: O de ser médico.
Nasceu há 46 anos em Vila do
Conde: José Bento Azevedo Carvalho é o nome que aparece inscrito no bilhete de
identidade, mas o mundo do ciclismo conhece-o apenas por José Azevedo. Nos
anais da sua carreira, ficou o percurso feito a pulso primeiro ao serviço da
espanhola Once, e depois nas norte-americanas US Postal e Discovery Channel,
onde atingiu dois 5.ºs lugares no Tour e um 5.º lugar no Giro de Itália. Foi
durante o percurso internacional que assumiu a missão de gregário, onde ajudou
os líderes a atingirem os objetivos. Foi na equipa espanhola que começou por
ganhar o seu espaço, servindo de apoio ao espanhol Abraham Olano. A partir de
2004, já na US Postal, o objetivo passou por levar Lance Armstrong à vitória no
Tour nos anos seguintes.
"Era um papel que eu
gostava de fazer. Sentia que era valorizado pela equipa e pelos
diretores", lembra.
Cedo no ciclismo, por
influência do pai. Na mente sempre esteve uma ambição, a mesma que agora giza a
sua carreira enquanto diretor desportivo de elite, percurso que iniciou na
norte-americana Radio Shack. Foi nessa função que conseguiu o feito de ver o
veteraníssimo Chris Horner vencer a Volta a Espanha em 2013. Seguiram-se cinco
anos na Katusha, onde assumiu o papel de diretor desportivo e mais tarde o de
diretor geral.
O balanço foi positivo, com
destaque para as vitórias na Milan-San Remo, no Tour de Flandres, Volta ao País
Basco e de vários triunfos somados na Volta a França.
Em 2015, a equipa falhou por
um lugar o topo da classificação mundial por equipas, por apenas oito pontos.
Uma queda do espanhol Joaquim Rodríguez na Lombardia impediu o conjunto de
somar pontos necessários para garantir o primeiro lugar.
"Bastava-nos ter ficado
nos 10 primeiros e fazíamos os pontos que nos davam a vitória do Ranking
Mundial", explica.
Com a saída da principal
referência, o espanhol Joaquim Rodríguez, que acabou por terminar a carreira em
2016, a Katusha viu-se arredada dos grandes resultados, a que também não foi
alheio um forte desinvestimento por parte do 'patrão' Igor Makarov.
Em 2019, a equipa acabou
absorvida pela Israel Cycling Academy, que assumiu o projeto suíço com origens
russas.
Depois de sair da
Katusha-Alpecin em setembro no ano passado e sem expetativas para assumir já
este ano outro projeto, acabou por assinar em meados de março pela francesa
Nippo-Delko Once Provence. Isto tudo num contexto atípico com a interrupção das
provas devido à pandemia da COVID-19. Uma equipa que apesar de constar numa
divisão abaixo do nível Pro-Tour, a Pro-Continental, tem grandes ambições para
o futuro, e foi esse projeto que conseguiu seduzir José Azevedo.
Foi precisamente por querermos
saber mais sobre esse seu papel na equipa francesa que ligámos a José Azevedo.
Mas coloquemos primeiro um travão no andar da carruagem: A longa conversa que
tivemos com o notável ex-ciclista tem muito mais ingredientes.
A rotina do dirigente e
treinador de ciclismo tem sido uma autêntica 'roda vida' nos últimos dias, com
constantes reuniões. A prioridade tem passado por reestruturar a equipa de
meios necessários para a competição ao mais alto nível. Ainda assim, José
Azevedo abordou com calma e com todo pormenor o que têm sido os últimos 28
anos.
SAPO
Desporto: Esteve seis anos na Katusha [saiu em setembro de 2019], onde ocupou
os cargos de diretor geral e diretor desportivo. Qual é o balanço que faz?
José Azevedo: Houve aspetos
mais positivos do que negativos, felizmente. Como diretor desportivo, destaco
as vitórias que a Katusha conseguiu alcançar, vitórias bastante importantes:
Milan-San Remo, Tour de Flandres, Voltas ao País Basco, etapas na Volta à
França. Ou seja, Em 2015 terminámos o ano com 40 vitórias e em segundo na
classificação mundial. Perdemos apenas por oito pontos. E podíamos ter sido
primeiros se o Joaquim Rodríguez não tem tido uma queda (Lombardia) que o
impediu de correr, bastava-nos ter ficado nos 10 primeiros e fazíamos os pontos
que nos davam a vitória do Ranking Mundial. Conseguimos ainda lançar outros
jovens que puderem crescer no mundo do ciclismo e poder ver essa evolução como
foi o caso do Ilnur Zakarin ou do próprio Alexander Kristoff, corredores que
atingiram níveis bastante elevados.
S.D:
Considera que os resultados nos últimos anos ficaram aquém do esperado?
J.A: Isso deveu-se ao facto do
orçamento da equipa ter ficado reduzido de ano após ano e isso obrigou-nos a
apostar em corredores mais jovens. Deixámos de ter corredores que nos dessem
garantias de resultados. Tivemos que apostar em jovens para os ir formando, de
forma a que eles pudessem assumir esse papel no futuro. Foi uma aposta minha
tendo em conta a parte financeira. Continuámos a ter uma equipa competitiva.
Acho que fizemos um bom trabalho, pena que a equipa terminasse e essa aposta
nos resultados acabou por não ter o efeito desejado, já que necessitava de
continuidade.
S.D:
Depois de sair da Katusha, assumiu o desejo de voltar a fazer um trabalho mais
de campo, como diretor desportivo. Ficou desencantado com a função de diretor
geral?
J. A: Eu gosto muito do
trabalho de campo. Naquela altura [2017 e 2019] aceitei essa grande
responsabilidade. Temos que tomar decisões, assinar contratos, consultando
sempre a equipa técnica. Aquilo que eu não gostei? Quando se ocupa uma função
destas, é bom que o diretor geral possa tomar as suas decisões e depois vir a
ser responsabilizado por essas decisões. Primeiro terá que haver autonomia
total. Não vou dizer que não gosto, se tiver que ocupar novamente essas funções
não terei quaisquer problemas, mas terá que ser sempre em condições diferentes
em que haja uma maior autonomia de decisão.
JOSÉ AZEVEDO: "O ÚLTIMO
ANO NA KATUSHA FOI DESGASTANTE. HOUVE VÁRIAS SITUAÇÕES QUE EU PREFIRO NÃO
COMENTAR, MAS PROVOCAM SEMPRE UM GRANDE DESGASTE PSICOLÓGICO E EMOCIONAL."
S.D: Como
se dá a sua saída da Katucha, percebeu que o seu percurso tinha chegado ao fim?
J. A: Eu saí porque o projeto
terminou, a nossa expetativa era de que continuasse. Só tenho a agradecer pelo
que o dono da equipa, o senhor Igor Makarov, fez durante 11 anos. Tomou a
decisão de terminar. Acabou por haver um acordo da compra da licença por parte
da equipa de Israel. A partir daí a equipa tinha a sua estrutura, o seu grupo
de direção já formado e logicamente que não havia lugar para todos. Não foi
opção minha, mas fui quase forçado porque o projeto terminou. Mas essa decisão
já nos foi comunicada tardiamente, a meio de setembro [2019], no final da volta
à Espanha. O último ano na Katusha foi desgastante. Houve várias situações que
eu prefiro não comentar, mas provocam sempre um grande desgaste psicológico e
emocional."
Novo desafio na Nippo-Delko
One Provence
S.D:
Mesmo com este contexto, consegue ser contratado pela equipa da Nippo-Delko One
Provence para o cargo de diretor desportivo, não será por acaso.
J. A: Sim, estava a pensar que
iria ser um ano em que iria estar a ver por fora. Estava a tentar estabelecer
contactos para regressar em 2021. Depois fui abordado pela equipa da Nippo,
equipa que foi comprada pelo Philippe Lannes. Ele apresentou-me o projeto que
tinha e as suas ambições de futuro. É um projeto ambicioso que me seduziu
bastante e em que em várias áreas vamos começar do zero. A função é de diretor
desportivo, ocupando também algumas responsabilidades dentro da equipa, para
além da parte desportiva. Foi a necessidade de entrar num projeto novo, mesmo
que seja no de uma equipa Pro-Continental. Tenho a motivação de fazer algo
crescer e evoluir. Foi isso que me seduziu a aceitar esse projeto. Chegámos a
acordo a meio de março, sensivelmente. Mas foi na altura que a pandemia
suspendeu as provas. Estamos ainda a trabalhar e a reestruturar a equipa. Mas
foram essas ambições que me levaram a aceitar.
S.D: Não
foi um passo atrás na carreira aceitar um convite de uma equipa que está na
Pro-Continental, um nível abaixo das equipas integram o Pro-Tour, como era o
caso da Katusha? Quais são os objetivos da equipa?
J. A: É um projeto de
Pro-Continental, mas é um projeto ambicioso e o objetivo é a Volta a França.
Poderá ser em 2021 ou depois. Queremos conseguir dotar esta equipa de meios com
a criação de um departamento com três treinadores, preparadores físicos,
nutricionistas, preparador mental, fisiologista, massagistas, mecânicos, staff,
logística, dotando a equipa de todos estes meios. Queremos criar também uma
imagem forte e tentar juntamente com os nossos corredores criar uma equipa
competitiva que nos possa trazer resultados. O objetivo passa pela aposta numa
equipa com corredores jovens, fazer com que eles possam ter uma progressão,
para atingir bons resultados. (...) Não interessa em que divisão está a equipa,
o que interessa são as ambições e foi o que me atraiu".
JOSÉ AZEVEDO: "PROJETO NA
NIPPO-DELKO? NÃO INTERESSA EM QUE DIVISÃO ESTÁ A EQUIPA, O QUE INTERESSA SÃO AS
AMBIÇÕES E FOI O QUE ME ATRAIU."
S.D: De
que forma este contexto de pandemia com a COVID-19, mudou a sua forma de
trabalhar e como se motivam os ciclistas?
J.A: Julgamos que no fim de
julho, agosto, as competições possam ser retomadas, pelo menos as primeiras
datas do calendário UCI apontam para aí. Para os corredores é sempre um período
complicado pelo facto de estarem fechados, terem de treinar diariamente nos
rolos, não é o tipo de treino ideal para o que eles estão habituados. Tentamos
motivá-los para fazerem esse trabalho, dar-lhes objetivos e motivação para
treinar. E agora que podem treinar na estrada, há uns planos já mais
elaborados. Já conseguem fazer um trabalho e um treino que eles mais gostam de
fazer que é treinar nas estradas. O objetivo é que recuperem os índices físicos
para que se apresentem a 100% deste o início.
S.D.: E
no seu entender há condições para a realização da Volta à França?
J.A.: Essas decisões competem
aos Ministérios e às Direções-Gerais de Saúde de cada país. Estou convencido
que existem condições. Terá que haver um plano que crie essa segurança aos
corredores. Mas eu realmente acho que há condições. Quando nós vemos as praias
cheias de pessoas, as esplanadas e uma série de coisas a decorrer e a economia
a começar a retomar eu não vejo o porquê de não poder haver uma prova de
ciclismo que reúne 180 corredores mais uma caravana, num espaço ao livre, [Tour
de França] quando numa praia se podem juntar 14 mil pessoas, eu não vejo o
porquê de não se realizar essa competição.
JOSÉ AZEVEDO: "NÃO VEJO O
PORQUÊ DE NÃO PODER HAVER UMA PROVA DE CICLISMO COMO O TOUR DE FRANÇA, QUANDO
NUMA PRAIA SE PODEM JUNTAR 14 MIL PESSOAS"
A momento
do ciclismo português
Desde que assumiu o papel de
diretor desportivo, quis o destino que José Azevedo apenas tivesse abraçado até
ao momento projetos em equipas internacionais. Ainda assim, o que se passa no
ciclismo português não lhe passa ao lado, admitindo que não foi contactado por
nenhuma equipa portuguesa antes de aceitar o convite da Nippo-Delko. Na equipa
francesa, conta já com José Gonçalves, com quem trabalhou na Katusha, e que
"é um dos líderes." Pelo meio há tempo para analisar para falar de
Rui Costa, ciclista que dispensa apresentações e de Rúben Guerreiro, que foi
17.º na Vuelta do ano passado.
S.D: Trabalhou com o José Gonçalves na Katusha
e agora reencontrou-o novamente na Nippo. O que se pode esperar dele?
J. A: O José um dos líderes
desta equipa. Nós esperamos dele resultados nas corridas por etapas. Tem todo o
potencial para fazer bons resultados e aspirar a excelentes classificações.
Conheço-o bem, estive com ele três anos na Katusha e conheço as suas
capacidades. Depositamos muita confiança nele. Se o vir a disputar corridas e
vê-lo nos primeiros lugares, para mim não é surpresa nenhuma.
JOSÉ AZEVEDO:
"DEPOSITAMOS MUITA CONFIANÇA NO JOSÉ GONÇALVES. SE O VIR A DISPUTAR
CORRIDAS E VÊ-LO NOS PRIMEIROS LUGARES, PARA MIM NÃO É SURPRESA NENHUMA."
S.D:
Pretendem reforçar a equipa com mais ciclistas portugueses?
J. A: Neste momento não faz
muito sentido estarmos a pensar em contratações: Primeiro porque neste momento
os corredores que estão na equipa merecem-nos o máximo de respeito e eles este
ano praticamente não competiram e não tiveram a possibilidade de demonstrar que
merecem continuar ou renovar contrato. Temos confiança máxima nos nossos
corredores. Mas estamos a tentar ir ao mercado, estarmos atentos aos corredores
que estão em Portugal e procuro estar atento ao pelotão World Tour, pelotão
Europe Tour e também às equipas de formação. Não lhe vou negar que Portugal e
eu sendo português estou atento e tenho conhecimento do ciclismo português, dos
corredores que existem em Portugal e
existem corredores bastante interessantes e fortes que têm todo o potencial e
capacidade para poderem ser um reforço da equipa.
S.D: Como
tem visto o percurso de Rui Costa [atualmente na UAE Team Emirates] nos últimos
tempos? Terá sido excessiva a aposta durante vários anos em provas de três
semanas, como são os casos do Tour e da Vuelta?
J. A: "O Rui Costa foi um
ciclista que ganhou três vezes a Volta à Suíça, ganhou a Dunquerque, em
Montreal, ganhou etapas no Tour e depois teve aquela vitória no campeonato do
mundo [Mundial de Florença em 2013]. Esses triunfos só demonstram a capacidade
que o Rui tem. Eu acho que em determinada altura, quando o Rui venceu o
Mundial, começou a apostar em corridas de três semanas, na tentativa de atingir
o top-10. Obviamente que tem sentido, seria o passo natural a dar. Mas o Rui é
um corredor muito forte em corridas de um dia e de uma semana. Eu acho que é aí
que ele deve apostar, nesse tipo de corridas", disse, explicando que
"Talvez aquela ambição que o levou a querer lutar por estar entre os
primeiros numa grande volta fez com que ele durante anos insistisse nesse objetivo.
E isso naturalmente condiciona toda a uma época porque preparar uma corrida de
três semanas, é diferente de preparar corridas de uma semana. No início do ano
começou logo muito forte e isso só demonstra que ele alterou o seu programa e
os seus objetivos. Viu o seu bom momento condicionado pela paragem."
JOSÉ AZEVEDO: RUI COSTA? A
AMBIÇÃO LEVOU-O A QUERER LUTAR POR ESTAR ENTRE OS PRIMEIROS NUMA GRANDE VOLTA,
O QUE FEZ COM QUE ELE DURANTE ANOS INSISTISSE NESSE OBJETIVO. E ISSO
NATURALMENTE CONDICIONA TODA A UMA ÉPOCA. PREPARAR UMA CORRIDA DE TRÊS SEMANAS,
É DIFERENTE DE PREPARAR CORRIDAS DE UMA SEMANA.
S.D: E em
relação ao Rúben Guerreiro? Fez 17.º na Vuelta em 2019, quando estavam os dois
na Katusha. Ficou surpreendido com esse resultado?
J.A: É um corredor jovem [25
anos]. Fomos busca-lo à Trek onde tinha uma função de ajuda aos líderes. Na
Katusha tinha mais liberdade para tentar os resultados. Inicialmente iria ao
Tour, começou bem na Austrália com um top-10. Na Vuelta demonstrou as suas
capacidades e isso deu-lhe mais confiança a nível psicológico. Este ano poderia
ser importante para ele para confirmar o que tinha feito na Vuelta para
continuar a sua progressão. É um corredor que pode evoluir bastante desde que
esteja numa equipa que o compreenda e lhe dê oportunidades.
S.D: Como
tem visto a evolução do ciclismo português nos últimos anos e o que falta para
darmos um salto para outro patamar?
J.A: Há um trabalho que está a
ser feito na Federação que é visível e que tem vindo a dar os seus resultados.
A Volta ao Algarve é uma competição que tem uma dimensão internacional bastante
grande, com bastante prestígio. Depois temos a Volta à Portugal que é um grande
evento nacional e com transmissão das etapas em direto. Se a Volta a Portugal
conseguir ter equipas internacionais de nível superior conseguirá aumentar a
competitividade e o interesse do Media e a divulgação das corridas. Isso vai
permitir aos ciclistas portugueses terem mais exposição internacional. E com as
provas que já fazem parte do calendário, como o prémio ‘Jornal de Notícias’,
Volta ao Alentejo, Torres Vedras e outras corridas que foram surgindo nos
últimos anos, o aumento dos dias de competição permite que os atletas tenham
mais atividade e evolução. O passo seguinte é que os ciclistas portugueses possam
competir mais a nível internacional.
S.D:
Vê-se um dia a trabalhar numa equipa portuguesa?
J.A: Enquanto aguardava por um
projeto, de Portugal não surgiu nada. Não houve nenhuma abordagem. É lógico que
não fecharia as portas. Tudo dependeria do projeto que fosse apresentado. Para
mim desde que o projeto fosse ambicioso…Não surgiu essa possibilidade mas não
digo que um dia não possa vir a treinar uma equipa em Portugal. Não digo que
não e são os projetos ambiciosos que me podem vir a seduzir.
Os primeiros passos como
ciclista, o curso de medicina que ficou para trás e os grandes feitos no
pelotão internacional
A bicicleta surgiu na vida de
José Azevedo aos 14 anos, altura em que começou a praticar a modalidade. Mas
tudo feito de mansinho, já que o curso de medicina era um dos objetivos. Quis a
estrada da vida que José Azevedo a percorresse a pedalar. Primeiro na Recer
Boavista, passando pela Maia MSS, onde acabou por dar nas vistas depois de uma
vitória numa etapa na Volta às Astúrias. Rumou à Once, antes de chegar à US
Postal, equipa onde acabaria por se cruzar com Lance Armstrong, ajudando o
norte-americano a alcançar vários triunfos no Tour.
S.D: O
que é que o levou a pegar numa bicicleta?
J. A: Eu comecei a praticar
ciclismo com 14 anos, nunca tive a ambição de ser um ciclista profissional. O
meu pai foi ciclista, está ligado ao mundo do ciclismo. Foi a vontade de fazer
um desporto, mas sem a ambição de ser profissional. Com o passar dos anos
ganhei-lhe o gosto, o vício foi aumentando. Comecei a ter uma visão diferente,
já a apostar e a pensar que poderia ser a minha profissão, mas essa decisão só
cheguei quando comecei a competir nos sub-23, quando tinha 18 anos, começou por
recordar, prosseguindo.
A minha ambição era estudar
medicina, era o meu objetivo de vida. O ciclismo era um hobby para praticar uma
atividade física. Quando cheguei à idade de entrar para a faculdade, já
começava a ponderar. Na altura de passar a sub-23, foi quando tinha que entrar
para a faculdade. Houve um período de indecisão. Coloquei uma meta, em que iria
fazer mais dois anos nos sub23, e se em dois anos me surgisse um contrato
profissional, escolheria o ciclismo. Surgiu o convite no segundo ano e optei
pelo ciclismo e o sonho de ser médico ficou para trás.
JOSÉ AZEVEDO: "QUANDO
SURGIU O CONVITE PARA SER PROFISSIONAL OPTEI PELO CICLISMO E O SONHO DE SER
MÉDICO FICOU PARA TRÁS."
S.D.: Arrepende-se
de algo que não teve a oportunidade de fazer, já que abraçou uma carreira
profissional tão cedo?
J. A: Não me arrependo de
nada. Quando tomamos uma opção temos que fazer as coisas a 100%. E eu sabia que
o ciclismo é um desporto super duro e que obriga a muito descanso. O treino
diário pode durar entre as duas a seis horas, com dias de trabalho de muita
intensidade. E no outro dia volta-se a trabalhar em blocos, de quatro, cinco,
seis horas. O meu objetivo era ser ciclista. Sabia que para atingir
determinadas metas esse era o caminho. Quando oiço alguém a dizer: ‘Tive que
fazer esse sacrifício, a mim custa-me compreender. ‘É sacrifício porque se
calhar não gosta tanto daquilo que faz’"
JOSÉ AZEVEDO: "QUANDO
OIÇO ALGUÉM A DIZER: 'TIVE QUE FAZER ESSE SACRIFÍCIO', A MIM CUSTA-ME
COMPREENDER. É SACRIFÍCIO PORQUE SE CALHAR NÃO GOSTA TANTO DAQUILO QUE
FAZ"
S.D.: Esteve
na Maia, na Recer Boavista, antes de dar o salto para a equipa espanhola da
ONCE. Como é que se deu mudança?
J. A: Desde que passei a
profissional em 1994 (Boavista) , o meu objetivo era competir a nível
internacional. Estar nas melhores provas de ciclismo mundial. O Tour era o
sonho, e queria testar os meus limites. Sentava-me e analisava o calendário
português e apostava naquelas provas onde vinham as equipas estrangeiras. Era a
‘montra’ que eu tinha para me tentar mostrar. Essa oportunidade surgiu em 2000,
numa etapa da Volta às Astúrias (entre Gijón e El Viso), onde ganhei a camisola
amarela (MAIA/MSS). E acho que foi essa
prova que me deu o contrato com a ONCE.
S.D: Na
Once, US Postal e Discovery assumiu o papel de gregário. Sentia-se confortável
nessa função de ajudar o líder a conseguir os melhores resultados?
J. A: Sabia que tinha que me
afirmar [o meu potencial]numa equipa como a ONCE. Com corredores como o
[Joseba] Beloki que vinha de um pódio no Tour, que tinha o Igor Galdeano, o
[Jan] Hruska, uma série de corredores bastante fortes. Tinha que ganhar o meu
espaço. Logicamente tinha que obedecer às estratégias da equipa. Logo no
primeiro ano fui à Volta ao Algarve e fiz segundo.
JOSÉ AZEVEDO: "ARMSTRONG?
SEMPRE TIVE O MÁXIMO DE RESPEITO POR ELE. NÃO ME LEMBRO DE ELE SER EGOÍSTA OU
ARROGANTE, ERA UM VERDADEIRO LÍDER"
Depois fiz um Top-10 em
Valência, 5.º no Paris-Nice. Comecei a ganhar o meu espaço. A minha primeira
grande volta foi o Giro [de Itália]. Tinha como líder o [Abraham] Olano, ficava
sempre com ele. No final, ele acaba por fazer 2.º e eu 5.º e isso acaba por ser
a minha afirmação dentro da equipa, relembra, continuando.
Eu tinha um papel mais de
trabalho para outros líderes, era um trabalho que gostava de fazer. Sentia que
em determinadas etapas tinha as minhas possibilidades e poderia terminar nos
primeiros. Como estava inserido num grupo em que me sentia bem, nunca houve
essa vontade de mudar. Mudei depois para a US Postal em 2004, que foi quando a
Once terminou. E aí surgiu o convite para uma equipa que tinha ganho os últimos
cinco tours. Tinha a aposta da equipa para ajudar o [Lance] Armstrong a ganhar
o Tour nos anos seguintes. Era um papel que eu gostava de fazer. Sentia que era
valorizado pela equipa e pelos diretores.
S.D.: Chegou
a ter convites para ser líder?
J.A.: Sim podia ter assumido o
papel de chefe de fila. Mas chegamos a um ponto em que também conhecemos as
nossas capacidades e as nossa limitações e eu sabia que estando a 100%, num
Tour poderia fazer [no máximo] 5.º ou 10.º. Era o meu lugar. Estando num equipa
em que poderia trabalhar para um líder, teria as minhas possibilidades e
poderia também ficar num lugar alto. E foi o que aconteceu. Nesse primeiro ano
com o Armstrong terminei em (2004) 5.º. Senti-me valorizado e fui fazendo um
trabalho que eu gostava.
JOSÉ AZEVEDO: "SIM PODIA
TER ASSUMIDO O PAPEL DE CHEFE DE FILA. MAS CHEGAMOS A UM PONTO EM QUE TAMBÉM
CONHECEMOS AS NOSSAS CAPACIDADES E AS NOSSA LIMITAÇÕES E EU SABIA QUE ESTANDO A
100%, NUM
TOUR PODERIA FAZER [NO MÁXIMO] 5.º OU 10.º.
ERA O MEU LUGAR."
S.D.: Richard
Huelamo, antigo fisioterapeuta e assistente de Lance Armstrong, abordou numa
recente entrevista a personalidade difícil do norte-americano. É assim que o
recorda?
J.A: Eu tenho o máximo de
respeito por ele. Foi sempre uma pessoa que nos respeitou dentro do grupo. Eu
fazia o meu trabalho, sempre se comportou comigo de uma forma educada e
profissional. Não me lembro de ele ser egoísta ou arrogante, era um verdadeiro
líder. Comigo em particular só tenho comentários positivos em relação ao
Armstrong.
O passaporte biológico, um
mecanismo que está a limpar a imagem do ciclismo
S.D: Nos
últimos anos com o surgimento do passaporte biológico e com mais controlo por
parte das equipas, o ciclismo está agora mais livre de doping do estava há
alguns anos atrás?
J. A. Eu acho que não existe
doping no ciclismo sinceramente. Houve algumas situações que são públicas e
aconteceram no ciclismo. Mas aconteceu no ciclismo e não sei se aconteceu nos
outros desportos ou não. A UCI criou o passaporte biológico em 2008, existe um
controlo muito rigoroso no ciclismo, todos os atletas são controlados muitas
vezes durante o ano. O passaporte biológico permite detetar alguma utilização
de um produto proibido, assim como se existem oscilações e que indiciem o uso
de alguma prática ilegal. Há um controlo que faz com que o doping não exista a
nível organizado. Se existe algum atleta que a nível pessoal cometa essa
erro...possivelmente isso pode acontecer. Mas isso não significa que seja
organizado pelas equipas, referiu, antes de explicar que o nível de
investimento que era feito pela equipa da Katucha a esse nível, daria para
pagar a um ciclista de renome.
JOSÉ AZEVEDO: "SITUAÇÕES
QUE SÃO TORNADAS PÚBLICAS ACABAM PENALIZAR A MODALIDADE E PASSA PARA A OPINIÃO
PÚBLICA QUE ESTAS SITUAÇÕES SÓ EXISTEM NO CICLISMO, O QUE NÃO É VERDADE"
Nos últimos anos como
responsável máximo pela equipa da Katucha posso-lhe dizer que para além do
passaporte biológico, implementámos um controlo interno. E era um investimento
muito grande que nós fazíamos, dinheiro esse que nos permitiria contratar um
bom corredor. Mas nós preferíamos também ter mais esse controlo que nos dava
garantia que os atletas trabalhavam de forma legal. Situações que são tornadas
públicas acabam penalizar a modalidade e passa para a opinião pública que estas
situações só existem no ciclismo. O doping não existe no ciclismo. Mesmo em
outras modalidades, um atleta poderá ser levado a essa tentação, mas isso não
quer dizer que são os clubes que organizam e que esse clube está ligado ao
doping.
S.D
Depois de ter estado na Discovery, regressou a Portugal para representar o
Benfica. Cumpriu todos os seus objetivos ou ficou-lhe aquele amargo de boca por
não ter conquistado a Volta a Portugal?
J. A: A nível internacional
atingi resultados que me deixaram orgulhoso. A nível nacional, até ir para o
estrangeiro, os resultados que consegui foram também importantes. Consegui vencer
praticamente todas provas com excepção da Volta a Portugal. Os melhores anos da
carreira, onde eu estive mais solidificado, foram os anos que passei no
estrangeiro. Mas foi a vontade de querer ganhar a Volta a Portugal foi o que me
fez regressar a Portugal nos últimos anos de carreira, onde competi pelo
Benfica. Não consegui, e posso dizer que foi o que faltou. Tentei, mas houve
sempre corredores mais fortes, mas há que respeitar.
S.D.: Como
é que iniciou a sua carreira de diretor desportivo. Já lhe reconheciam essa
capacidade de liderança?
J. A: Quando chegamos a
determinada a idade começamos a ter noção que o ciclismo para nós são mais três
ou quatro anos, quando a carreira começa a entrar na fase final. E nessa fase
de uma forma muito natural, o que me seduzia era o trabalho de diretor
desportivo. Nos últimos anos estava muito atento à forma como planeavam a
época, as corridas, fazia-lhes bastantes perguntas por curiosidade. Era algo
que eu gostava. Quando terminei a carreira, comecei a fazer o curso de
treinador para ter as habilitações, para caso surgisse uma hipótese, pudesse
estar preparado. A meio de 2009, nasceu a equipa da RadioShack e propuseram-me
um desafio. Eles sabiam também das minhas ambições, e deram-me essa
oportunidade. E a partir daí comecei o meu trajeto.
JOSÉ AZEVEDO: NOS ÚLTIMOS ANOS
DE CARREIRA ESTAVA MUITO ATENTO AO TRABALHO DO DIRETOR DESPORTIVO: A FORMA COMO
PLANEAVAM A ÉPOCA, AS CORRIDAS, FAZIA-LHES BASTANTES PERGUNTAS POR CURIOSIDADE
S.D.: Considera-se
reconhecido depois do percurso que fez enquanto ciclista e agora como diretor
desportivo de elite?
J. A: Sinto-me respeitado
pelos resultados que consegui ao longo dos anos, não só em Portugal, mas também
a nível internacional.. Felizmente consegui esse respeito e acho que isso é o
mais importante. Acho que esse respeito também se deve ao facto de no meu
trabalho também respeitar os outros e ter criado boas relações com todas as
pessoas. Neste momento sou um treinador como os outros".
S.D: Como
tem sido a sua rotina agora?
J. A : Praticamente em casa,
tentando respeitar ao máximo os conselhos dados pelas autoridades de saúde e
contribuir para que este vírus não seja um foco de transmissão. Saio quando é
necessário, mas tomando precauções e na espetativa de podermos voltar ao trabalho
e às competições."
S.D: Ainda pega de vez em
quando na bicicleta?
J. A: Com esta situação não.
Não andava muito, só de vez em quando. Sem obrigações, sem planos. Quando
apetece fazer alguma atividade física, faço. Não posso dizer que é frequente.
Fonte; Sapo Desporto
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