Costa-riquenho chegou a viver nas ruas e hoje ajuda emigrantes hispânicos a 'navegar' nos hospitais de Portland, nos Estados Unidos. Enquanto isso, Nystrom compete no circuito mundial de cyclocross, sendo uma autêntica figura de culto da modalidade
Por: Francisco Luís Gomes
Foto: Jan De Meuleneir/Photo
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Felipe Nystrom é hoje uma
figura incontornável do universo do ciclocrosse, não tanto pelos resultados
alcançados, mas pela sua incrível história de superação.
O costa-riquenho pode ser um
dos últimos da classificação em provas onde correm lendas da modalidade como
Mathieu Van der Poel ou Wout Van Aert, mas é líder na popularidade junto dos
adeptos, parando diversas vezes a meio de uma competição para tirar fotografias
ou simplesmente falar com os fãs.
Infância
e adolescência
Felipe Timoteo Nystrom Spencer
nasceu na Costa-Rica em 31 de março de 1983, filho de mãe norte-americana e pai
costa-riquenho. A mãe deslocara-se para aquele país no âmbito do seu trabalho
nos 'Peace Corps', organização governamental norte-americana dedicada ao
desenvolvimento internacional.
Este trabalho da sua mãe
enquanto voluntária retirou-lhe muito tempo com o filho, que assim teve a
companhia de muitas e diferentes pessoas durante a sua infância. Segundo o
mesmo, tal situação deixou-o muito vulnerável, usando como exemplo as vezes em
que se tentava esconder dentro de uma gaveta de um homem que o agredia
frequentemente.
"Nos
primeiros oito anos da minha vida, só vivi em pânico, em terror, como se cada
vez que a porta se abrisse, eu não soubesse o que ia acontecer. Tinha uma
sensação de completa impotência, que havia nada que eu pudesse fazer",
afirma Nystrom.
À medida que foi crescendo
acabou por transportar consigo esses traumas para a sua vida social. O jovem
Felipe era envergonhado, isolava-se, sofrendo de 'bullying'
e entrado num clima de constante conflito em casa. O único sítio onde se sentia
bem era a praticar desporto, fosse futebol ou ginástica.
Álcool e
drogas
Nos anos finais da sua
adolescência, Felipe mostrava ter potencial para singrar no futebol
profissional, contudo, uma lesão acabou por deitar por terra esse sonho. O
costa-riquenho não tentou recuperar da lesão e acabou por desistir.
"Eu
não fazia ideia para onde estava a ir. Lembro-me de pensar, 'Bem, eu fiz tudo o
que pude, no futebol e no desporto. E agora já nem isso tenho'. Eu tenho estado
bem, mas mesmo assim nada de bom acontece, talvez devesse apenas ir para as
festas como toda a gente", disse.
Aí, o costa-riquenho descobriu
um espaço onde era aceite e popular, desenvolvendo um estilo de vida abastecido
pelo álcool e as drogas, e onde teria conseguido exorcizar os fantasmas e
traumas da sua infância e pré-adolescência.
Contudo, Felipe acabou por ser
engolido pelo 'monstro' do vício, enveredando por um caminho autodestrutivo.
Todos os empregos que teve, fosse em 'call-centers'
fosse a gerir um sistema de apostas 'online' de origem norte-americana,
mormente de estados onde tais práticas eram consideradas ilegais, serviam para
alimentar o vício.
"No
começo, um grama de cocaína durava-me uma semana, talvez duas semanas. Depois
só dava para uma semana, depois meia semana. Chegou a uma altura em que eu
fazia pausas no trabalho para ir cheirar cocaína. O meu cérebro dizia 'Eu não
quero consumir drogas hoje', mas o meu corpo estava em piloto automático
enquanto eu saía do meu apartamento para ligar para o meu 'dealer'",
recorda Nystrom.
A
tentativa de suicídio
A espiral descendente levou
Felipe Nystrom a um estado mental altamente instável. Após perder o emprego, o
costa-riquenho viveu nas ruas durante mais de um ano, a dormir em becos e
desesperadamente à procura de comida. Depois de um ano nessa condição, esmagado
pela culpa de ter abandonado o seu filho aquando do seu nascimento, Nystrom
tomou a decisão de por fim à vida.
"Eu
sabia que não conseguia parar. Não funcionava. E então finalmente decidi: não
posso mais fazer isso", confessou.
"Assim
que amanheceu, fui pedir dinheiro. Consegui juntar o suficiente para comprar o
que pensei que seriam drogas suficientes para morrer. Não me tinha esforçado
tanto para nada em anos. Não havia qualquer hipótese de estar vivo no dia
seguinte. Fui a uma loja de roupas usadas e roubei um par de jeans e depois um
polo; não queria que me encontrassem em trapos. Sobrou dinheiro suficiente para
ir para um motel barato, para poder tomar um banho. Queria estar limpo quando
me encontrassem", descreve.
A verdade é que a tentativa de
suicídio acabou por não resultar, muito devido à pronta intervenção de um
funcionário do motel.
"A
última coisa que lembro é pensar que precisava comprar mais cerveja. Depois
lembro-me de abrir os olhos e ver dois paramédicos à minha frente. Senti uma
onda incrível de emoções: a raiva foi a primeira, depois medo e tristeza,
porque isto deveria ser o fim, eu não deveria estar vivo. Lembro-me de
esbracejar enquanto alguém me abraçava. Foi a primeira vez que fui abraçado em
sei lá quantos anos. Ele apenas abraçou-me enquanto eu continuava a esbracejar
e disse-me 'Vai ficar tudo bem. Eu não sei como. Mas vai ficar tudo bem",
afirmou Felipe.
A
reabilitação e reencontro com o filho
Depois de recuperar no
hospital, o costa-riquenho entrou numa clínica de reabilitação onde lhe deram
cama e comida, avisando desde logo que, caso tivesse uma recaída, deixaria a
clínica e voltaria a estar entregue a si próprio. Mas tal não aconteceu e, após
seis meses de reabilitação, Nystrom conheceu uma mulher e mudou-se para
Portland, nos Estados Unidos.
Nos últimos dez anos, o
costa-riquenho trabalha como tradutor para pacientes hispânicos em hospitais,
reconhecendo o quão recompensador tem sido, em comparação com o seu passado.
"Eu
estava a sair do hospital e disse: 'É isso o que eu preciso de fazer, é assim
que vou começar a retribuir à sociedade'. Quando os meus colegas dizem 'não
teríamos conseguido sem ti', é um tipo de reconhecimento muito diferente do que
quando o meu 'dealer' dizia ' ainda bem que vieste",
confessa.
Para além da vertente
profissional, Nystrom reencontrou-se com o filho, confessando os erros que
cometeu, e prometendo fazer de tudo para lhe dar tudo aquilo de que necessita.
Felipe mergulho no seu trabalho para tentar ajudar o filho, mas rapidamente
percebeu que não podia ficar-se apenas por aí.
O
ciclocrosse
Tentou voltar ao futebol, mas
já não era a mesma coisa, virou-se para o triatlo, mas tinha uma aversão à
natação; contudo, achava graça à parte do ciclismo. Apesar de concorrer com
ciclistas 20 anos mais novos, Nystrom rapidamente passou de iniciante para a 'Category One', o nível mais alto do
ciclismo amador.
Mas o costa-riquenho estava
determinado em mostrar ao filho que nunca se deve desistir dos sonhos. Em 2019,
Felipe Nystrom participou e venceu o campeonato nacional de estrada da
Costa-Rica..., mas não se ficou por aqui. Depois da estrada, o Nystrom mudou-se
para a terra, colinas pedras e árvores, em suma: ciclocrosse.
"Era
frio, húmido e cheio de lama. Punham obstáculos no caminho que te obrigam a
sair de cima da bicicleta. Não!", disse o
costa-riquenho.
Contudo, e com grande esforço
e recolhendo pessoalmente os fundos necessários, Nystrom conseguiu marcar
presença nos mundiais de ciclocrosse em Fayetteville, nos Estados Unidos, a
primeira vez que um ciclista da Costa Rica participava nesta competição.
Nystrom acabou em último na
prova, e no final afirmou que tal não foi o seu principal objetivo.
"Se
alguém espera que eu lhes dê um resultado numa dessas corridas, eles não
percebem nada sobre ciclismo. Mas não é sobre isso. Eu sou um homem de 40 anos,
que trabalha de 12 a 15 horas, às vezes 18 horas por dia para financiar essa
ideia maluca de correr ao mais alto nível",
realçou o ciclista após a prova.
Após os mundiais, a história
de Felipe Nystrom rapidamente correu mundo, tornando o costa-riquenho numa das
principais figuras do pelotão, adorado pelos adeptos um pouco por todo o mundo.
Para além disso, o ciclista foi também muito bem recebido e tratado pelos
restantes corredores do circuito.
"Tem
sido simplesmente incrível. É tão inacreditável o apoio que os adeptos me dão.
Eles gastam o seu tempo e dinheiro para vir ver o melhor dos melhores. E também
para torcer por mim e fico muito grato por isso. Fico especialmente grato
também aos outros corredores porque tenho certeza que lhes seria muito fácil
dizer: 'porque é que ele está aqui?'. Eles proporcionaram-me um lugar na grelha
de partida deles isso, para mim, é maior do que qualquer resultado que eu possa
obter numa dessas corridas", disse Felipe Nystrom.
"É confrangedor.
Antes eu gastava todo o meu dinheiro a tentar comprar o máximo de gramas que
podia. Agora, gasto todo o meu dinheiro a tentar perder todas as gramas que posso!",
afirma Nystrom em tom de chacota.
Relativamente ao futuro,
Felipe Nystrom diz que quer continuar a fazer a diferença e a superar-se, na
esperança que o seu exemplo inspire e ajude alguém que esteja a passar pela
mesma situação que ele atravessou.
"Algures,
há alguém que está a sofrer da mesma maneira que eu sofri. Essa é a pessoa que
eu espero alcançar", remata.
Fonte: Record on-line
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