terça-feira, 27 de outubro de 2020

“«João Almeida é como o algodão: não engana»”



Marco Chagas considera que os feitos de João e Ruben Guerreiro no Giro podem representar um momento de viragem no ciclismo português

 

Por: LUsa

Foto: Getty Images

Marco Chagas considerou esta terça-feira que os feitos de João Almeida e Ruben Guerreiro na Volta a Itália podem representar um momento de viragem no ciclismo português, embora anteveja que nem todos os novos adeptos vão fidelizar-se à modalidade.

O antigo ciclista acredita que o quarto lugar final de João Almeida (Deceuninck-QuickStep), o melhor de sempre de um português no Giro, e a vitória na classificação da montanha de Ruben Guerreiro (Education First) vão, "se calhar, ser até um momento de viragem", com a dinâmica que se criou em torno do duo a dever ser aproveitada quer pela Federação Portuguesa de Ciclismo, quer pelas equipas e "por todas as pessoas que trabalham no ciclismo em Portugal".

"Acho que isto mexeu completamente: quando vejo jornais, televisões -- televisões! -, o mais difícil... quando toda a gente vai à procura de notícias do Giro, do João, do Ruben, que se enviam jornalistas, o que inicialmente não estava nada previsto... eu acho que não pode voltar a ser o que era antes, acho que se vai tirar partido disso, que o ciclismo vai beneficiar com isso", afirmou em declarações à agência Lusa.

O quatro vezes vencedor da Volta a Portugal, que chegou a disputar a Volta a França, não recorda nenhum momento em que tenha havido tanta projeção da modalidade, nem no tempo de Joaquim Agostinho. "Na nossa modalidade, e eu já posso falar de há 50 anos para cá, eu nunca vi nada igual, mesmo sabendo que nos tempos de hoje parece mais fácil, porque a forma como se comunica hoje não é igual", reforçou.

Reconhecendo que a prestação do jovem de A-dos-Francos, que há muito segue e em quem depositava uma grande expectativa, o surpreendeu -- "acho que nunca, ninguém, nem o pai, nem a mãe, nem os diretores, nem o próprio João contariam com tanto" -, Marco Chagas fala numa "situação única", criada por dois jovens que a maioria das pessoas nem sabia que existiam.

"Acho que vai ficar muita [desta 'febre'], mas alguma desaparece, porque há pessoas que não percebem nada disto. Algumas dessas pessoas, depois de domingo, é como um balão que se despeja e não se fala mais nisso. Agora, tenho para mim que uma grande percentagem das pessoas que nunca tinha ouvido falar deste rapaz e que pouco ou nada ligavam ao ciclismo vão olhar de maneira diferente. Todas as pessoas ligadas à modalidade têm de aproveitar, porque creio que muito disto vai ficar. A expectativa quanto ao João passa a ser muito grande, mas acho que ele é como o algodão: não engana", vincou.

Daqui para a frente, "nunca mais nada vai ser igual em relação ao João Almeida, tanto a nível nacional", em que a presença de Almeida "vai ser obrigatória, um pouco à semelhança do que tem acontecido com o Rui [Costa] no que diz respeito às representações da seleção", mas também a nível internacional, exemplificando com o gesto de Vincenzo Nibali, "o tipo que tem o maior palmarés, dos poucos do mundo que ganhou as três grandes Voltas, um senhor das bicicletas", que partilhou uma foto com o português no dia em que este perdeu a 'maglia rosa'.

"O João conseguiu um estatuto, um lugar, para já, dentro daquela equipa -- espero que seja aquela, que ali está muito bem. Nunca mais vai ser a mesma coisa, a partir de agora tem o seu estatuto, ninguém lhe toca. É ele e mais seis ou sete colegas. Criou uma personagem que nunca mais ninguém o tira dali. O João tem 22 anos, se não tiver nenhum problema físico que o afete, vai ter 10 anos para brilhar ao mais alto nível. E nós vamos ter muitas alegrias e muito roer de unhas como tivemos nestes dias por causa dele", previu.

O também comentador de ciclismo encontra na personalidade e no comportamento aguerrido do ciclista da Deceuninck-QuickStep duas das maiores razões para o 'miúdo' ter cativado todo o país

"A gente olha para aquele menino, que é um menino, mas é um menino com um ar sério, ou seja, um ar de entrega, de um miúdo que está ali a fazer um trabalho de uma forma muito clara, um trabalho bem feito, e quando chega a hora da verdade, ele, em vez de se encolher, como faria a maioria, estava ali e marcava presença. Dizia 'estou aqui para o que calhar'. As pessoas gostam muito de ver, aquele ar dele, a postura, o facto de, na véspera do Stelvio, arrancar e fazer a diferença, não é para qualquer um. A maioria daquela gente, mesmo com 10 anos de profissional, chegavam ali e deixavam-se estar muito quietinhos", destacou.

Chagas não tem dúvidas de que João Almeida irá ser "um dos grandes corredores do Mundo" e a próxima "grande figura" do ciclismo português "nos próximos anos".

Fonte: Record on-line

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