Por: Miguel Marques
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
O ciclismo de estrada combina
velocidade e imprevisibilidade como poucos desportos. Durante horas, os
corredores rodam em pelotões compactos a 60 km/h ou mais, equilibrados em pneus
estreitos e a reagir no instante a cada movimento. Um deslize mínimo, uma
travagem a fundo, uma roda que derrapa, pode desencadear uma queda. Apesar dos
riscos, os acidentes catastróficos são raros no enorme volume competitivo de
cada época. Afinal, quão perigoso é este desporto na realidade?
Chegadas ao sprint, descidas
de montanha e contrarrelógios têm perigos distintos, e a evolução de material,
regulamentos e desenho de percursos reflete o esforço contínuo para proteger os
corredores. Mas quão seguro é hoje o ciclismo?
Chegadas
ao sprint
As chegadas ao sprint são os
momentos mais voláteis. Nas etapas planas, dezenas de sprinters e lançadores
disparam para a meta a 70–80 km/h, todos à procura de um corredor limpo. Um
erro de julgamento pode deitar vários ao chão.
A Volta à Polónia de 2020
ofereceu um lembrete brutal. Nos metros finais, Fabio Jakobsen foi projetado
contra as barreiras quando outro corredor desviou da sua trajetória. O impacto
foi violento. Jakobsen recordou mais tarde: “Íamos a 84 km/h, por isso não tens
muito tempo para reagir… As barreiras não me travaram. Limitaram-se a ceder.”
Sofreu graves lesões faciais, mas sobreviveu. A UCI condenou o desvio de Dylan
Groenewegen e suspendeu-o por nove meses.
Estes episódios sublinham como
as chegadas podem ser estreitas. Dados do grupo de segurança SafeR da UCI
mostram que quase metade de todas as quedas no WorldTour ocorre nos últimos 40
quilómetros, sobretudo nas aproximações ao sprint. Outro relatório da UCI
atribui cerca de 13% das quedas à tensão acumulada rumo a sprints ou finais em
alto, com pisos escorregadios a causarem aproximadamente 11%.
Para reduzir o caos a alta
velocidade, a UCI alargou a tradicional regra de proteção de tempo dos 3 km até
5 quilómetros em algumas etapas, dando mais margem ao pelotão. As barreiras
também foram redesenhadas: após anos com vedação metálica fina, as grandes
corridas usam agora estruturas mais robustas e absorventes de energia, testadas
para não colapsarem no impacto. O SafeR continua a testar novos padrões de
vedações para maior fiabilidade.
As equipas investem ainda mais
na colocação e na técnica de sprint seguro. Os corredores estudam os
quilómetros finais, os carros passam avisos pelo rádio, e os comboios de
lançamento tentam deixar o sprinter em posição limpa para os últimos 200
metros.
Mesmo assim, alguns desenhos
de percurso continuam discutíveis. O próprio Jakobsen afirmou: “Temos de
eliminar finais perigosos como este”, deixando claro que o traçado é decisivo
para a segurança. Por vezes, os organizadores alargam as retas finais ou retiram
curvas apertadas após análises de risco. A combinação de velocidade e
congestionamento nunca elimina totalmente o perigo, e muitos sprinters encaram
uma época sem incidentes como uma verdadeira conquista.
Descidas
de montanha
As descidas de montanha trazem
outro patamar de risco. Em rampas alpinas, é comum superar os 90 km/h,
negociando vias estreitas, cotovelos fechados e taludes expostos. O menor erro
pode ser fatal, como na morte de Wouter Weylandt durante a Volta a Itália de
2011. Weylandt caiu no Passo del Bocco, sofreu ferimentos mortais na cabeça e
tinha apenas 26 anos.
A mesma vulnerabilidade voltou
a evidenciar-se em 2023, quando Gino Mäder caiu numa descida rápida na Volta à
Suiça e foi projetado para uma ravina. Viria a falecer devido aos ferimentos. A
etapa terminava ao sopé do Albula Pass, decisão criticada por muitos
corredores.
O mau tempo agrava o perigo. A
chuva transforma marcações, grelhas metálicas e alcatrão liso em armadilhas, e
as estatísticas da UCI apontam consistentemente as descidas como pontos
críticos de quedas, sobretudo em piso molhado.
As equipas dedicam hoje mais
treino à técnica de descida, e alguns líderes recebem instruções para reduzir a
agressividade com chuva. Após a morte de Mäder, discutiu-se a instalação de
redes nas encostas, à semelhança do esqui alpino, para evitar quedas em
ravinas. Algumas provas já neutralizam setores perigosos ou alteram metas para
contornar declives com grandes desníveis.
Contrarrelógios
Os contrarrelógios, embora
geralmente mais calmos do que as etapas em linha, têm riscos próprios. Os
corredores competem isolados, muitas vezes em posições aerodinâmicas agressivas
que limitam visão e manobrabilidade. As velocidades são elevadíssimas e um erro
numa curva pode resultar em lesões graves.
Os contrarrelógios raramente
produzem quedas em massa, mas quando acontecem as consequências podem ser
graves, porque os corredores têm pouco tempo para reagir se perdem o controlo.
Uma análise dos fatores de queda concluiu que, embora velocidades mais altas
aumentem apenas marginalmente a probabilidade de queda, elevam
significativamente a força do impacto.
Isto levou a UCI a testar
limites de desmultiplicações para moderar as velocidades máximas. As regras de
equipamento continuam a evoluir, em particular no que toca a aros hookless,
sistemas de travagem e designs de guiador, todos escrutinados para garantir
prestações seguras.
Os desenhadores dos percursos
evitam cada vez mais estradas de montanha estreitas nos contrarrelógios e
posicionam veículos médicos ou de assistência neutra nas curvas mais
traiçoeiras. Estas opções ajudam a manter os contrarrelógios relativamente
seguros, embora as posições extremas do corpo e as velocidades elevadas
impliquem riscos inerentes.
O terreno e o clima moldam a
segurança dos corredores em todas as disciplinas. Muitas estradas de montanha
não foram construídas para corridas de bicicleta e oferecem pouco escape; pense
em subidas lendárias como o Stelvio ou o Tourmalet, cenários magníficos, mas
também longos troços sem barreiras, com desníveis acentuados a poucos metros da
linha de corrida.
Basta recordar o precipício na
descida de Tom Pidcock, em 2022, no Col du Galibier…
Mesmo as etapas planas em meio
urbano podem terminar perigosamente se canalizarem o pelotão por chicanes
estreitas ou curvas de ângulo fechado. Os organizadores fazem reconhecimento
prévio e, por vezes, alteram o percurso se um troço se revelar inseguro.
Meteorologia
O tempo continua a ser um
fator decisivo. A chuva é uma das principais causas de quedas, com dados da UCI
a indicarem que superfícies molhadas ou escorregadias perigosas estão na origem
de cerca de 11–12% das quedas. O calor, por seu lado, afeta a segurança de
forma indireta: temperaturas extremas reduzem a concentração e abrandam os
reflexos. Para mitigar, a UCI permite zonas de abastecimento adicionais durante
ondas de calor e em subidas longas. O vento cruzado é outro perigo, capaz de
empurrar os corredores lateralmente ou de fraturar o pelotão em leques,
aumentando a tensão e o risco de toques.
A dinâmica de corrida também
pesa muito nas quedas. O pelotão comprime e estica constantemente, e os
incidentes mais graves surgem muitas vezes em pontos táticos críticos, como a
aproximação a um sprint, a entrada de uma subida ou a passagem por setores de
empedrado.
As autoridades estimam que a
pressão em torno desses momentos cause cerca de 13% das quedas. Além disso, a
presença de motas e carros de apoio acrescenta outra camada de complexidade. A
UCI passou a punir condução insegura de veículos com avisos em estilo “cartão
amarelo”, e o comité SafeR monitoriza o comportamento do pelotão de apoio para
evitar casos em que os veículos se aproximem perigosamente dos corredores.
Várias quedas mediáticas
continuam a moldar as medidas de segurança da modalidade, mas uma que ainda não
mencionámos ocorreu em 2024.
O Campeonato do Mundo de 2024
foi abalado pela morte da suíça Muriel Furrer, de 18 anos, que caiu numa
descida encharcada durante a prova de estrada de Juniores Femininos e morreu
mais tarde no hospital devido a graves lesões na cabeça. A polémica adensou-se
quando surgiram relatos de que a ciclista permaneceu durante um longo período
sem ser vista, na zona arborizada junto ao percurso, antes de ser encontrada,
levantando questões urgentes sobre localização de corredores, resposta de
emergência e segurança do traçado. Corredores, equipas e adeptos exigiram
esclarecimentos sobre porque é que os avisos acerca da descida perigosa não
foram mais considerados.
Riscos
políticos
A Volta a Espanha de 2025
expôs um novo tipo de perigo para o ciclismo de estrada: protestos políticos a
interromper corridas e a colocar a segurança dos corredores em risco. Várias
etapas foram alteradas, neutralizadas ou canceladas, com grandes multidões a
bloquearem estradas e a desmontarem barreiras, tendo como alvo a Israel –
Premier Tech.
Na 10ª etapa, manifestantes
entraram na estrada, desencadeando uma queda. A 11ª etapa foi interrompida
perto da meta, em Bilbau, porque os protestos invadiram os metros finais,
forçando os organizadores a declarar a ausência de vencedor. A etapa final em
Madrid foi totalmente anulada depois de manifestantes pró-Palestina terem
tomado o percurso, derrubado barreiras e enfrentado a polícia, com mais de 10
000 pessoas reportadas nas ruas.
A polícia foi mobilizada em
força, mas a escala da perturbação mostrou como a agitação política pode
transformar rapidamente uma corrida cuidadosamente controlada num ambiente
caótico e inseguro. E este caso expôs, de facto, a vulnerabilidade do ciclismo
ao protesto, enquanto desporto tão acessível.
No conjunto, as melhorias de
segurança ao longo do tempo foram significativas. A obrigatoriedade do
capacete, introduzida em 2003 após a morte de Andrei Kivilev, foi um momento de
viragem e evitou inúmeros traumatismos cranianos. A expansão da regra dos 3 km,
a aplicação mais rigorosa de zonas neutralizadas e uma supervisão mais apertada
de condutas perigosas traduzem uma abordagem cada vez mais proativa. A
iniciativa SafeR, lançada em 2023, audita percursos, recomenda alterações e
revê quedas semanalmente. Em 2024, a UCI anunciou novas medidas, incluindo
cartões amarelos por comportamento temerário, regras refinadas de cronometragem
em sprints e normas mais estritas para comunicações por rádio.
Estas mudanças refletem uma
alteração cultural. Os corredores levantam a voz com mais frequência perante
elementos inseguros, e a UCI e os organizadores têm mostrado maior
disponibilidade para modificar percursos, ajustar procedimentos ou cancelar
secções quando as condições são inaceitáveis. Embora o desporto nunca elimine
totalmente o risco, o efeito combinado de melhor regulamentação, desenho mais
inteligente, equipamento evoluído e monitorização constante tornou as corridas
muito mais seguras do que no passado. Ainda assim, as quedas graves recentes
lembram que o risco continua presente.
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