Por:
André Geraldo Soares
Não
nos referimos apenas aos benefícios pessoais, mas também aos sociais e
ecológicos. Pedalar para ir ao trabalho, à escola e à casa do namorado é rápido
e cômodo; a bicicleta é eficiente e prática para brincar, para exercitar-se e
para espairecer. Além disso, também desafoga o trânsito e não empesteia o ar.
Seja de barra forte, de BMX ou de triciclo, seus condutores estão demonstrando
a viabilidade do ciclismo para a vida social e para o bem-estar ambiental. Que
custe 150 mangos ou 14 mil dólares, a bicicleta, na rua, exprime o direito,
escrito mas ainda não de todo aplicado, de movimentar- se nos espaços públicos
sem constrangimentos.
Por
isso é uma pena, é lamentável, é digno de compaixão, dá dó mesmo ver tantas
pessoas estagnadas no trânsito, remoendo a raiva de ainda não terem chegado em
casa e crentes de que o congestionamento são os outros! A realidade poderia ser
diferente: as vias locais poderiam ser um espaço tranquilo e de convívio entre
todas as modalidades e as vias de ligação poderiam dar fluidez ao transporte
coletivo. As janelas das casas não precisariam permanecer fechadas para abafar
o ruído de tantos motores imóveis e de tantas buzinadas inúteis. Com tanta
ciência e tecnologia, com tanto conhecimento e imaginação, é patético constatar
tantas pessoas iludidas de que uma pista a mais aqui e um viaduto a mais ali
resolverão, enfim, final e definitivamente, os problemas de trânsito da cidade!
O mais duro é que esta pena, este sofrimento,
este martírio, este tormento diário e cotidiano é chamado de progresso, é
considerado índice de desenvolvimento de um lugar. Mais carros significam, para
a mentalidade tecno economicista, mais pessoas bem-sucedidas. Pátios de
montadoras lotados denotam que o povo está com pouca grana. Já as ruas lotadas
são sinal de economia aquecida. O Governo Federal diminui os impostos para
atender as montadoras, a mídia glamouriza o modo de vida motorizado e o
indivíduo reverbera aqui em baixo: “Eu padeço aqui engarrafado, mas com ar
condicionado e DVD a bordo. E aqueles ali, amontoados no ônibus, devem reclamar
para a prefeitura, porque eu não tenho nada a ver com isso”.
Essa
situação não deixa de ser uma pena, um castigo, uma punição, uma penitência
imposta a uma sociedade que não acredita na democracia. Ao contrário de
buscarem participar, as pessoas preferem entregar o poder de todas as decisões
que vão recair sobre suas cabeças a alguém mais famoso ou com campanha
eleitoral mais lustrosa. Cidadãos reduzidos, quando muito, a eleitores – no
mais das vezes, a apertadores de botões de urna. Ao invés de buscar conhecer as
leis, de exigir espaços constantes para o planeamento urbano e de apoiar as
instituições civis que tentam influenciar a adoção de políticas públicas
igualitárias, o cidadão médio se desobriga disso tudo em nome do seu conforto.
Enquanto isso, o mercado, o capital, as corporações, os investidores passam as
diretrizes de governo, dentre as quais não constam nenhuma a favor de
pedestres.
Por
isso muitos ciclistas revelam pena, amargura, pesar, desgosto ao tratar da
mobilidade urbana. Defendem a humanização das cidades, falam em nome das
crianças que querem ir para a escola sem depender dos pais e enaltecem as
velhinhas que dão exemplo para a marmanjada – mas são tratados como entraves
para o desenvolvimento, como desordeiros ou como ETs. Não é de ficar triste?
Tudo o que querem, estes ciclistas, é pedalar em paz e sem serem ameaçados, mas
sabem que isso somente será conquistado quando a sua modalidade deixar de
receber apenas as migalhas do orçamento público. Dá pra se conformar com isso?
Arriscam sua pele e seus ossos, por gosto ou por necessidade, ocupando um
mínimo espaço, e são acusados de atrapalharem o trânsito. É pra acabar!
De
sorte que tais ciclistas compreendem seu papel para fazer das cidades um lugar
melhor de se viver – e o fazem com alegria e disposição. E um dia, quiçá, todo
mundo reconhecerá isso, confirmando que vale a pena pedalar. Existem muitas
formas de dialogar com a sociedade para convencê-la de que um mundo viável para
todos é um mundo ao alcance da bicicleta (evidentemente que, devido às
dimensões do mundo, em integração com todos os demais veículos); mas a
principal dessas maneiras é pedalar, ocupar os espaços, demonstrar pelo exemplo
– e, evidentemente, usufruindo das vantagens de fazê-lo.
Fonte:
Revista Bicicleta.com
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