Paraciclista português em entrevista a Record
Por: Pedro Filipe Pinto
Record -
De que forma encarou o facto de ter ficado sem uma perna?
Telmo
Pinão – Foi um processo muito
doloroso. Quem me conhece, diz que eu encarei esta adversidade como muita gente
não conseguiria. Eu não nego que isso seja verdade, mas, porra, também tive os
meus momentos. Fui abaixo muitas vezes, pensei ‘o que vai ser de mim?’. Tinha
22 anos, claro que houve dúvidas. Mas ao longo do tempo fui-me automotivando e
deixei que me levassem, o que é muito importante. Lembro-me de estar muitas
vezes em casa, muito em baixo, mas passava alguém e levava-me dali. Olha, houve
um dia que o padeiro disse para ir com ele e passei a manhã a distribuir pão.
Tens de ter essa capacidade de deixar que te levem. Conheço situações em que
isso não acontece por terem vergonha de aparecer.
R -
Vergonha?
TP – Sim, há o tabu de se mostrar a prótese. Nem
imaginas o que é para uma pessoa amputada ir à piscina, por exemplo. Eu nunca
tive isso, ando sempre de calções!
R - De
que forma é que o desporto te ajudou?
TP – Na inclusão. Eu estava no karaté, competia, era
o único com deficiência e sempre me respeitaram. Só pedia aos adversários para
não me fazerem um varrimento (risos).
R - Em 2016 pôde então alimentar o bichinho dos
Paralímpicos. Que memórias trouxe do Rio de Janeiro? Que histórias tem da
Aldeia Olímpica?
TP – É pena este ano não existir essa proximidade.
Os Jogos perdem aquela mística e essas histórias que pedes. Tive lá várias
situações em que eu, mesmo aleijado, me pus a olhar par os outros a pensar na
vida. Uma vez estava na tenda das refeições e vejo uma pessoa de outra
modalidade a chegar numa cadeira elétrica. Só tinha um pé, não tinha uma perna
e os dois braços. Chegou, colocaram-lhe a comida à frente e perguntei a quem
estava comigo ‘mas como é que ele vai comer?’ Nem imaginas! Ele usou o pé… e
comeu mais rápido do que eu com as duas mãos.
R - Deve
ser uma experiência muito forte...
TP – Vives ali muita coisa, falas com muita gente,
vês coisas incríveis. Nunca me vou esquecer de um rapaz indiano só com uma
perna a fazer um metro e tal em salto em altura e, pouco depois, estar ali
connosco a comer na tal tenda. Eu pensei ‘como é que era possível ele ter feito
aquilo?’ Ele dava-me aqui pelo ombro. Há coisas incríveis de que não me vou
esquecer. Até para mim, que estou neste Mundo das pessoas com deficiência há
quase 20 anos, é motivador passar por uma experiência daquelas.
R - Já
pensa no futuro pós-Tóquio?
TP – Olha, eu gosto muito disto, é uma droga como te
disse, não queremos largar! No final dos Europeus disse para mim que já
chegava, que já estou velho, mas depois olhei para aquela medalha e depois da
massagem já só pensava na próxima prova. Mas há um ponto em que o corpo te vai
dizer para parar. Vamos ver o que ele me vai dizendo. Não prometo nada. Deixa
ver se vou a estes Jogos. Deixa-me ir a Tóquio, depois logo se vê.
R - E o
que é o que o corpo lhe tem dito nos últimos tempos?
TP – Tenho a noção que posso continuar mais um
pouco, o problema não está aí. O problema é que o meu corpo começa a ceder.
Estamos a falar de pedalar só com uma perna, fazer 40 quilómetros por hora de
média… Para fazer isto, para estar ao nível dos melhores do Mundo, tenho partes
do corpo que estão a sofrer muito, principalmente a região lombar. O que
fazemos é um esforço assimétrico. Com a prótese acho que ia até aos 40 e tal
anos, só com uma perna vai ser mais complicado.
R - Mas foi com uma perna que subiu a Serra da
Estrela. Como foi essa primeira vez?
TP – Marcou-me muito. Porque, lá está, foi a
primeira vez que a subi na íntegra só com uma perna, sem parar, e, como sabes,
desde a Covilhã até à Torre. Mexeu comigo, não me esqueço. Fiz um vídeo quando
cheguei lá acima. Fiquei maravilhado com aquilo que fiz, com aquele andamento.
Gabo-me dessa subida, entre aspas, por isso, foi uma superação. Já subi mais
vezes, mas o sentimento já não foi o mesmo, essa ficou marcada porque foi a
primeira depois de mudar para esta classe. Cheguei lá acima e senti-me o melhor
do Mundo. Cheio de ego, cheio de motivação e confiança, porque eu fiquei a
pensar: ‘se eu faço isto, venha o que vier agora’.
R - As suas redes sociais têm várias fotos em que
está a dar palestras...
TP – Sim, faço e gosto muito. Fi-las sempre sem
levar dinheiro. Se me pagassem o gasóleo e uma buchazita, ficava feito. Seja
para crianças, para adultos, para empresas… Tu nunca sabes o dia de amanhã e quando
é que o azar vai bater à tua porta ou à de um familiar teu. Fico muito feliz de
saber que, um dia, se infelizmente acontecer a alguma destas pessoas com quem
falei, eles vão lembrar-se de me terem ouvido, de que eu estive lá com eles.
Fonte: Record on-line
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