domingo, 13 de junho de 2021

“Telmo Pinão e o futuro: «Deixa-me ir a Tóquio, depois logo se vê»”


Paraciclista português em entrevista a Record

 

Por: Pedro Filipe Pinto

 

Record - De que forma encarou o facto de ter ficado sem uma perna?

 

Telmo Pinão – Foi um processo muito doloroso. Quem me conhece, diz que eu encarei esta adversidade como muita gente não conseguiria. Eu não nego que isso seja verdade, mas, porra, também tive os meus momentos. Fui abaixo muitas vezes, pensei ‘o que vai ser de mim?’. Tinha 22 anos, claro que houve dúvidas. Mas ao longo do tempo fui-me automotivando e deixei que me levassem, o que é muito importante. Lembro-me de estar muitas vezes em casa, muito em baixo, mas passava alguém e levava-me dali. Olha, houve um dia que o padeiro disse para ir com ele e passei a manhã a distribuir pão. Tens de ter essa capacidade de deixar que te levem. Conheço situações em que isso não acontece por terem vergonha de aparecer.

 

R - Vergonha?

 

TP – Sim, há o tabu de se mostrar a prótese. Nem imaginas o que é para uma pessoa amputada ir à piscina, por exemplo. Eu nunca tive isso, ando sempre de calções!

 

R - De que forma é que o desporto te ajudou?

 

TP – Na inclusão. Eu estava no karaté, competia, era o único com deficiência e sempre me respeitaram. Só pedia aos adversários para não me fazerem um varrimento (risos).

 

R - Em 2016 pôde então alimentar o bichinho dos Paralímpicos. Que memórias trouxe do Rio de Janeiro? Que histórias tem da Aldeia Olímpica?

 

TP – É pena este ano não existir essa proximidade. Os Jogos perdem aquela mística e essas histórias que pedes. Tive lá várias situações em que eu, mesmo aleijado, me pus a olhar par os outros a pensar na vida. Uma vez estava na tenda das refeições e vejo uma pessoa de outra modalidade a chegar numa cadeira elétrica. Só tinha um pé, não tinha uma perna e os dois braços. Chegou, colocaram-lhe a comida à frente e perguntei a quem estava comigo ‘mas como é que ele vai comer?’ Nem imaginas! Ele usou o pé… e comeu mais rápido do que eu com as duas mãos.

 

R - Deve ser uma experiência muito forte...

 

TP – Vives ali muita coisa, falas com muita gente, vês coisas incríveis. Nunca me vou esquecer de um rapaz indiano só com uma perna a fazer um metro e tal em salto em altura e, pouco depois, estar ali connosco a comer na tal tenda. Eu pensei ‘como é que era possível ele ter feito aquilo?’ Ele dava-me aqui pelo ombro. Há coisas incríveis de que não me vou esquecer. Até para mim, que estou neste Mundo das pessoas com deficiência há quase 20 anos, é motivador passar por uma experiência daquelas.

 

R - Já pensa no futuro pós-Tóquio?

 

TP – Olha, eu gosto muito disto, é uma droga como te disse, não queremos largar! No final dos Europeus disse para mim que já chegava, que já estou velho, mas depois olhei para aquela medalha e depois da massagem já só pensava na próxima prova. Mas há um ponto em que o corpo te vai dizer para parar. Vamos ver o que ele me vai dizendo. Não prometo nada. Deixa ver se vou a estes Jogos. Deixa-me ir a Tóquio, depois logo se vê.

 

R - E o que é o que o corpo lhe tem dito nos últimos tempos?

 

TP – Tenho a noção que posso continuar mais um pouco, o problema não está aí. O problema é que o meu corpo começa a ceder. Estamos a falar de pedalar só com uma perna, fazer 40 quilómetros por hora de média… Para fazer isto, para estar ao nível dos melhores do Mundo, tenho partes do corpo que estão a sofrer muito, principalmente a região lombar. O que fazemos é um esforço assimétrico. Com a prótese acho que ia até aos 40 e tal anos, só com uma perna vai ser mais complicado.

 

R - Mas foi com uma perna que subiu a Serra da Estrela. Como foi essa primeira vez?

 

TP – Marcou-me muito. Porque, lá está, foi a primeira vez que a subi na íntegra só com uma perna, sem parar, e, como sabes, desde a Covilhã até à Torre. Mexeu comigo, não me esqueço. Fiz um vídeo quando cheguei lá acima. Fiquei maravilhado com aquilo que fiz, com aquele andamento. Gabo-me dessa subida, entre aspas, por isso, foi uma superação. Já subi mais vezes, mas o sentimento já não foi o mesmo, essa ficou marcada porque foi a primeira depois de mudar para esta classe. Cheguei lá acima e senti-me o melhor do Mundo. Cheio de ego, cheio de motivação e confiança, porque eu fiquei a pensar: ‘se eu faço isto, venha o que vier agora’.

 

R - As suas redes sociais têm várias fotos em que está a dar palestras...

 

TP – Sim, faço e gosto muito. Fi-las sempre sem levar dinheiro. Se me pagassem o gasóleo e uma buchazita, ficava feito. Seja para crianças, para adultos, para empresas… Tu nunca sabes o dia de amanhã e quando é que o azar vai bater à tua porta ou à de um familiar teu. Fico muito feliz de saber que, um dia, se infelizmente acontecer a alguma destas pessoas com quem falei, eles vão lembrar-se de me terem ouvido, de que eu estive lá com eles.

Fonte: Record on-line

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