Por: Carlos Silva
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
Daniele Bennati juntou a sua
voz ao debate crescente em torno do final em Montmartre na Volta a França,
defendendo que a etapa de Paris deve continuar a ser um objetivo realista para
sprinters e não um recreio para os ciclistas todo-o-terreno e candidatos à
geral.
Em entrevista recente ao Bici
Pro, o vencedor da etapa dos Campos Elísios em 2007 sublinhou que, mesmo com o
regresso da subida, ciclistas como Jonathan Milan não devem ser descartados –
desde que as equipas se comprometam com a perseguição e as condições sejam
favoráveis.
“Se falarmos do Jonathan
Milan”, diz Bennati, “acho que há tempo de sobra para reorganizar a
perseguição. É certo que alguém vai atacar em Montmartre e alguém vai fazer a
diferença. Gente como Van der Poel, Van Aert, Pogacar, Evenepoel... esse tipo
de corredores. Mas, na minha opinião, há terreno suficiente para voltar a
juntar tudo e pensar numa chegada ao sprint. Ou pelo menos moldar a etapa de
forma a conduzir a um sprint.”
Para Bennati, essa última
ideia é crucial: o traçado pode ser agressivo e espetacular, mas o final deve
continuar a ser desenhado de modo a manter possível uma chegada em pelotão.
Estrada
seca, pernas pesadas
AEm 2026 a etapa de Paris
voltará a passar por Montmartre, mas desta vez a subida será feita uma única
vez e a cerca de 15 quilómetros da meta, em vez de ser feita três vezes com a
última passagem a apenas 6 quilómetros da linha de chegada, como em 2025. No
papel, essa distância extra deverá ajudar os sprinters a reorganizarem-se, tudo
dependendo de como o dia se desenrolar.
“É evidente que, ao fim de
três semanas, os níveis de energia são os que são”, prossegue. “Mas se o piso
estiver seco, os sprinters podem claramente pensar em jogar a sua cartada num
sprint.”
A referência à estrada seca
vem diretamente do caos do ano passado. Em 2025, a primeira edição em
Montmartre correu-se à chuva, os tempos para a geral foram neutralizados e a
etapa transformou-se num duelo para ciclistas atacantes. Um grupo de seis destacou-se
e Wout van Aert acabou por assinar uma das melhores exibições da carreira,
descarregando Tadej Pogacar na ascensão final e vencendo a solo nos Campos
Elísios.
Do ponto de vista de um
sprinter, Bennati não gostou do que se passou lá atrás. “Não creio que vá
voltar a chover no próximo ano”, ressalva, “mas não podemos adivinhar o futuro.
A estrada molhada, de certa forma, penaliza o espetáculo, porque no ano passado,
após a primeira aceleração, ficaram apenas seis corredores na frente e isso não
é o ideal para uma última etapa num cenário tão bonito. Tenho de dizer que como
sprinter, não foi agradável ver ciclistas espalhados pelo percurso e grupos
simplesmente a pedalar para chegar à meta. Honestamente, se fosse assim outra
vez, preferia o circuito tradicional. Não por ter sido sprinter e ter ganho
ali, mas porque acho que deixava a última etapa muito mais cheia de
adrenalina.”
“A subida
em si não é extremamente dura, mas chega-se lá após três semanas de competição”
Em termos puramente numéricos,
Montmartre está longe de ser a subida mais temível de uma Grande Volta. É o
contexto, o momento, a fadiga e o perfil de quem tende a atacar ali que
preocupa Bennati.
“A subida em si não é
extremamente dura. Comparada com qualquer berg flamengo, é bem mais fácil. As
pedras são irregulares, mas nada de dramático. É relativamente facil. No
entanto, chega-se lá após três semanas de corrida e se um corredor como o
Pogacar decidir que quer ganhar a última etapa, fica difícil para os sprinters.
Os homens da geral recuperam melhor do que os sprinters, por isso estão
potencialmente em vantagem.”
Aponta ainda que a suposta
natureza cerimonial do último dia é, na prática, um mito que se dissipa assim
que a corrida entra no circuito final.
“Quanto à etapa curta, pela
experiência, o último dia do Tour, do Giro ou da Vuelta nunca é um passeio.
Vens de três semanas muito exigentes e os quilómetros iniciais são lentos, com
celebrações e brindes. Como resultado, a sensação que guardo é a de um esforço
brutal quando o ritmo dispara de repente no circuito. Num percurso destes,
corredores como Van Aert e Van der Poel estão sempre em vantagem, mesmo não
sendo puros trepadores. Porque o sprinter tentou discutir as chegadas e talvez
tenha lutado pela camisola verde, gastou mais energia do que eles. Por isso
paradoxalmente, uma etapa tão curta pode transformar aquela pequena subida num
verdadeiro problema. Os sprinters vão precisar de todos os colegas que restarem
à sua frente.”
Um olhar
para 2007 e para o que Pogacar fará
A vitória de Bennati em Paris
chegou no final do Tour de 2007, quando bateu Thor Hushovd e Erik Zabel num
sprint clássico no circuito dos Campos Elísios. Essa experiência molda a forma
como olha para o traçado atual. “O Bennati que ganhou em Paris”, reflete o
toscano, “sentia-se melhor do que a maioria dos sprinters nos dias finais
porque provavelmente recuperava melhor.”
Admite que, na configuração
atual, teria de pensar de forma diferente e que muito dependeria do que a
camisola amarela decidisse fazer. “Teria de perceber se, correndo hoje, pediria
à minha equipa para impor o ritmo em Montmartre ao meu compasso, porque muito
provavelmente o Pogacar tomaria conta da corrida se quiser atacar e tentar
ganhar. Para alguém como ele, 15 quilómetros não é muito. É mais um grande
motivo para esperar por esta etapa com enorme curiosidade.”
É um bom resumo da tensão no
coração da experiência de Montmartre: um final pensado para incentivar ataques
de homens como Pogacar, Van der Poel, Van Aert ou Evenepoel empurra
inevitavelmente os sprinters puros para o limite.
A posição de Bennati não é
eliminar a subida, mas garantir que organizadores, equipas e corredores ainda
“moldam a etapa de forma a conduzir a um sprint”. Para ele, Paris deve
continuar a ser um dia em que Jonathan Milan e os outros homens rápidos alinham
com uma hipótese real de vencer e não meros figurantes num espetáculo pensado
para outros.
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