Por: Carlos Silva
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
A segurança no pelotão voltou
a estar na ordem do dia após a mais recente reunião da UCI, realizada na semana
passada. Entre medidas que passaram algo despercebidas, uma proposta concreta
chamou a atenção: a intenção de testar, já este ano na Volta a Guangxi,
restrições ao uso de determinados equipamentos tecnológicos. Num desporto que
continua a ser abalado por tragédias, a questão impõe-se: será este mais um
gesto simbólico ou o início de uma mudança estrutural?
Marc Madiot, diretor
desportivo da Groupama - FDJ, expôs sem rodeios a sua posição na série
documental Crash, peloton sous tension, do L'Équipe. Com décadas de experiência
no pelotão, o antigo vencedor da Paris-Roubaix aponta o dedo à excessiva
dependência da tecnologia.
“Há mortes, haverá
inevitavelmente mais, e veremos que começamos de novo de um dia para o outro.
Por isso, penso que temos de procurar abrandar a evolução. Isso é óbvio, temos
de lutar por isso”, afirma Madiot.
O francês acredita que há
soluções simples e eficazes que poderiam reduzir o risco de acidentes. O seu
diagnóstico é claro: cortar a comunicação via auriculares, esconder os
medidores de potência e eliminar o GPS das bicicletas. Em suma, libertar o
ciclista da sobrecarga de informação a que está hoje sujeito.
“Há soluções muito simples a
adoptar. Acabar com os auriculares, esconder os medidores de potência e proibir
o GPS. Se fizerem isso, haverá menos perigo e ao mesmo tempo menos pessoas a
correr riscos.”
Na sua visão, parte substancial do risco advém da pressão constante que os ciclistas sentem ao ouvir instruções, alertas e ordens através dos auriculares, muitas vezes em momentos de máxima tensão, como sprints, abanicos ou aproximações perigosas a obstáculos urbanos. Os erros tornam-se comuns...
“Estamos constantemente em
contacto com o ciclista, através do auricular, que é uma espécie de telefone,
do GPS e dos sensores de potência”, denuncia.
A crítica é direcionada não
apenas ao ciclista, mas sobretudo ao modelo de controlo remoto imposto pelas
equipas. Madiot defende uma corrida mais intuitiva, onde os atletas dependam da
sua leitura de corrida e das decisões tomadas no terreno. Um regresso à
essência do ciclismo como confronto entre homens e estrada e não entre
computadores e algoritmos.
“Hoje o ciclista, lamento
dizê-lo, está constantemente a ser controlado à distância. Dizemos-lhe:
‘Cuidado, perigo, vamos passar por uma aldeia, há lombas e rotundas’. Mas não
há espaço para todos lá à frente! Estamos a seguir na direção de andarmos cada
vez mais rápido para estarmos à frente dos outros.”
A UCI tem tomado medidas
esporádicas em resposta ás tragédias, como a introdução de zonas neutras,
alterações no mobiliário urbano, campanhas de sensibilização e mais
recentemente, alterações na regulamentação dos organizadores. Mas para Madiot,
nada disso será suficiente enquanto o foco estiver no controlo total do
ciclista e não na sua autonomia.
Resta saber se as palavras do
técnico francês terão eco junto dos decisores e se os testes previstos para a
Volta a Guangxi serão o início de um caminho diferente, onde a tecnologia sirva
o ciclismo, mas não o substitua. Até lá, permanece a tensão entre a evolução
técnica e a segurança humana, num pelotão que continua à mercê de demasiadas
variáveis, muitas delas desnecessárias.
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