Tudo que você
gostaria de saber a respeito da saúde pélvica da mulher ciclista
Um destes dias estava reunida
com um grupo de alunas conversando a respeito da importância do ajuste da
bicicleta. Falávamos sobre quem tinha andado e quem não tinha, como é quando e
onde andar de bicicleta, e a conversa tornou-se extremamente acalorada, fluida,
divertida e longa quando começamos a falar do ponto mais dolorido das
ciclistas, a vagina.
Passado o constrangimento
inicial, porque falar sobre a saúde vaginal ainda é tabu, elas começaram a
relatar inúmeros desconfortos e a conversa parecia uma disputa entre todas,
quem sentia mais desconforto, quem tinha mais problemas, quem já tratava ou
não. Abertamente relatamos problemas em comum que até então nos pareciam ser
totalmente de ordem pessoal.
A conversa foi incrível. Houve
muita troca de informações, esclarecimentos de dúvidas, compartilhamento de
sentimentos, experiências e, principalmente, saber que o assunto deve ser
tratado com muita atenção e profundidade.
Por que
ainda é tabu falar sobre saúde vaginal?
Por séculos, as mulheres têm
conduzido discretamente grandes avanços no campo da saúde e da medicina. E isso
não foi fácil.
Elizabeth Blackwell tornou-se
a primeira mulher a obter um diploma de medicina nos EUA depois de ter sido
votada pelo corpo docente de todos os homens “como uma piada”.
Claro que ela não é a única
guerreira e pioneira. Há uma lista enorme de mulheres que não foram
reconhecidas em sua época. Você pode imaginar onde estaríamos sem a bravura
dessas inúmeras mulheres?
Embora existam diversas
iniciativas importantes a respeito da saúde vaginal, ainda há muito trabalho a
ser feito. Acredite, até para escrever esta matéria encontrei resistência de
alguns homens. Uns me disseram não ficarem confortáveis para falar a respeito
do assunto e outros acharam que o emprego da palavra ‘vagina’ não era apropriado.
Vamos
começar no começo de todos os começos
Apesar do fato de ser um órgão
do corpo feminino, 50% das mulheres jovens não pode rotular adequadamente uma
vagina em um exame médico. Isso está de acordo com um estudo de 2014 da revista
The Eve Appeal, do Reino Unido, que também descobriu que 65% das mulheres se
sente desconfortável com a palavra ‘vagina’ ou ‘vulva’, e 45% nunca fala com
ninguém sobre sua saúde vaginal – e muito menos com médicos, se com o próprio
médico muitas mulheres não se sentem confortáveis em falar do assunto.
Você sabia que 1 em cada 4
homens (25%) sofre de disfunção erétil? E, por causa disso, existem inúmeras
drogas e dispositivos para ajudá-los. Mas, você sabia que 40% das mulheres
experimentam disfunção sexual? E quantos produtos estão disponíveis para
mulheres? Na verdade, se você for ao Clinicaltrials.gov (site americano de
estudos médicos), existem atualmente 398 estudos de disfunção erétil vs 133
estudos de disfunção sexual feminina – isso é quase 2x mais estudos para homens
do que para mulheres.
Há uma necessidade urgente de
mudar a conversa – ou, no mínimo, ter uma conversa. Uma vagina saudável é
incrivelmente importante para a sua saúde física, mental, emocional e sexual. E
você merece se sentir bem em todos os sentidos. Imagine a importância de tudo
isto para as mulheres que amam pedalar!
Que tal
mudar a maneira como pensamos, falamos e sentimos sobre nossas vaginas,
começando agora?
Vagina é uma palavra legítima
e um termo médico. Quanto mais dissermos, menos estranho soará. Usando a
palavra vagina com confiança, você ajuda os outros a fazerem o mesmo.
Converse com uma amiga. A
maioria de nós já se abriu para uma amiga próxima sobre questões tais como:
frouxidão vaginal ou sensação de assoalho pélvico fraco. Isso é importante.
Ninguém pode entender melhor isso do que outra ciclista, mãe ou mulher, e
precisamos trabalhar juntas para derrubar o muro da vergonha que envolve o tema
da saúde vaginal.
Converse com seu médico. Se
algo com a sua vagina não parece normal, é muito provável que você não esteja
sozinha. A maioria das inseguranças que as mulheres enfrentam é totalmente
normal e vivenciada pela maioria de nós. E as soluções para ajudar a melhorar o
bem-estar vaginal não precisam ser caras, dolorosas ou complicadas, como você
pode imaginar. Não tenha medo de discutir sua saúde vaginal com seu médico,
seja clara e objetiva. Só assim conseguiremos atenção e soluções importantes
para a nossa saúde.
Pode parecer estranho no
começo, mas você merece que suas perguntas sejam respondidas. Como diz o velho
ditado, conhecimento é poder. É hora de nos apresentarmos e nos apropriarmos
disso.
A famosa
dor nas nádegas
A partir de agora, saiba que
quando alguém lhe disser: “Pedalar dói mesmo e com o tempo você se acostuma”,
ou, “Você precisa criar calo nas nádegas!”, isso está totalmente fora de
contexto, fora de moda e contrário aos estudos científicos e soluções do
momento.
Pedalar pode causar vários
problemas para a vagina, mas existem diversos tipos de tratamento e soluções
para que você possa curtir o pedal sem sofrimento e sem desconforto.
As dores na região pélvica e
outros sintomas são muito comuns entre as mulheres, seja você uma ciclista de
final de semana ou uma ciclista assídua que pratica o desporto durante vários
dias da semana, a reclamação da mulher é o selim.”
Síndrome
de ciclista
Se você sente dores,
dormência, alterações das funções sexuais, entre outros, saiba que você pode
ter desenvolvido a síndrome de ciclista, clinicamente chamada neuralgia do
pudendo.
O nervo pudendo é um nervo
misto que tem funções sensitivas e motoras. Suas fibras são derivadas das
raízes sacrais de S2, S3 e S4. Uma vez que essas fibras atravessam o forame
sacral, elas se dividem em ramos autonômicos que formam o plexo pélvico
(inervação parassimpática de órgãos pélvicos) e ramos somáticos que irão formar
o nervo pudendo, que passa logo abaixo do músculo piriforme.
O nervo pudendo é responsável
pela sensibilidade do períneo por meio do ramo perineal (escrotais e labiais),
dos ramos retais inferiores e pelo ramo dorsal do pênis/clitóris. O nervo
pudendo também tem função motora de controle dos músculos: bulboesponjoso, ísquiocavernoso, esfíncter da
uretra e esfíncter externo do ânus.
A neuralgia do pudendo é uma
dor causada pela disfunção deste nervo, em geral devido ao seu aprisionamento
funcional. O nervo pode ser comprimido
durante longos períodos de tempo na posição sentada na bicicleta causando
pequenos traumas. O tipo de dor pode variar em queimação, facada, pressão ou ardor.
O território de dor em geral inclui o períneo, o ânus e os grandes lábios. A
dor pode afetar o ato de evacuar, manter relações sexuais, urgência miccional
ou mesmo incontinência.
Nada de
sofrer em silêncio
Segundo o pesquisador que tem
mais experiência clínica com problemas de selim do que qualquer outra pessoa no
planeta, Dr. Andy Pruitt, Ed.D., fundador do Centro de Medicina e Performance
Esportiva da Universidade do Colorado e consultor médico para numerosas equipes
e pilotos da World Tour, “as mulheres, na verdade, têm mais problemas que os
homens, mas historicamente não falam muito sobre isso”. Agora temos uma geração
de mulheres ciclistas que não têm medo de verbalizar seus problemas. Isso ajuda
a todos, porque quanto mais entendermos os problemas que elas enfrentam, melhor
podemos resolvê-los.
Problemas
mais comuns entre as ciclistas
“No Clinicaltrials.gov,
existem atualmente 398 estudos de disfunção erétil vs 133 estudos de disfunção
sexual feminina.”
Conversei com a Dra. Mirian
Kracochansky, que é fisioterapeuta, mestre em urologia, PHD em urologia com
especialização em urogineologia e ciclista muito experiente. A Dra. Mirian é a
responsável da Pelvic Center, que é um centro de reabilitação funcional do
assoalho pélvico e dos distúrbios miccionais. Ela elencou as principais
disfunções vaginais que acometem as ciclistas e sugeriu alguns tratamentos.
Estas disfunções também são elencadas nos estudos e pesquisas do Dr. Andy
Pruitt.
VAGINITE:
Infeções vaginais, como infeções
fúngicas. As ciclistas correm mais risco, porque geralmente ficam muito tempo
com a mesma bermuda, que, apesar de ser confecionada – em sua grande maioria –
com tecidos antimicrobianos e bacterianos, a roupa justa, combinada com o suor,
cria um ambiente quente e húmido
facilitando
a multiplicação de leveduras.
Sintomas:
Corrimento incomum, mudança de
odor, coceira e/ou queimação, especialmente quando se urina.
Cuidados:
Após pedalar, tire o seu
calção o mais rápido possível. Depois de tomar banho, use o secador de cabelo,
em temperatura baixa, para secar a área vaginal. O suor produz cristais de sal,
e mesmo seu calção e sendo antibacteriano, o sal poderá causar fissuras e
assaduras. A doutora comenta que ainda durante a pedalada, tente fazer higiene
com água ou lenços higiênicos.
“Por séculos, as mulheres têm
conduzido discretamente grandes avanços no campo da saúde e da medicina.”
Você também pode tornar-se
mais resistente à infeção comendo alimentos ricos em probióticos que mantêm
bactérias protetoras em seu corpo, como por exemplo o iogurte.
Ela ressalta que a infeção
vaginal pode ser tratada com cremes ou cápsulas sem receita médica, porém, se
em uma única aplicação não funcionar, consulte o seu médico imediatamente.
PERDA DA
SENSIBILIDADE:
Segundo o Dr. Pruitt, até 62%
das mulheres ciclistas competitivas relataram sentir dormência genital,
formigamento ou dor (em estudo publicado no Journal of Sexual Medicine). “Isso
é demais! A dormência não deve ser tolerada, e ponto final, pois pode causar
danos a longo prazo. Dormência é um sinal de que você está comprimindo os
nervos. Isso significa que algo está errado”, diz Pruitt.
Cuidados:
Uma das causas pode ser o
selim. Você pode estar usando o selim errado, ou o seu selim pode estar na
posição errada. “O selim certo no lugar errado (posicionado de forma errada) é
tão ruim quanto o selim errado no lugar certo (posicionado de forma correta)”,
diz ele.
Faça o ajuste de sua bicicleta
com um profissional especializado. Use o selim correto. A maior parte do seu
peso tem que estar apoiada em suas tuberosidades isquiáticas (os ossos duros
que você sente quando se senta) ou nos ramos púbicos (os ossos pélvicos mais
para frente), dependendo da posição da condução, e não nos tecidos moles.
Em uma pedalada longa,
intercale as pedaladas entre pedaladas sentada e em pé, para aliviar a pressão
e o atrito na área genital. “Mantenha a pelve dinâmica”, diz Dra. Miriam.
HIPERTROFIA
LABIAL:
A pressão no selim pode causar
inchaço porque impede a drenagem linfática. Uma vez que você tenha inchaço
significativo, isso pode criar um ciclo vicioso de menos drenagem e mais
inchaço. “Ironicamente, para algumas mulheres, selins recortados – que são
projetadas para evitar problemas de pressão – podem contribuir para o inchaço”,
diz Pruitt. Se você tem uma vulva mais carnuda, os recortes no selim podem não
funcionar para você, porque esses tecidos ficam no espaço recortado e a
gravidade puxa fluido para eles enquanto você anda.
Sintomas:
O inchaço é o sintoma mais
comum, mas há também o desconforto quando há muita pressão, bem como a
irritação.
Cuidado:
Elimine a pressão indesejada.
Escolha o selim correto e ajuste adequadamente a bicicleta.
Após a pedalada, faça banho de
assento com água fria. A vasoconstrição causada pela temperatura baixa da água
ajuda na redução do inchaço da vulva. A doutora recomenda adicionar na água
ervas, como a camomila, que tem efeito calmante.
INFECÇÃO
DO TRATO URINÁRIO:
Semelhante à vaginite, as infeções
do trato urinário (ITUs) são infeções bacterianas que podem ocorrer em qualquer
parte do corpo envolvida na produção e lavagem da urina – principalmente nos
rins, na bexiga e na uretra.
Causa:
Essas infeções são comuns em
ciclistas do sexo feminino porque as bactérias dos calções podem viajar
facilmente para a nossa bexiga.
Sintomas:
Sentir vontade de urinar com frequência,
urinar em pequenas quantidades, sentir uma sensação de queimação ao fazer e
produzir urina que seja turva, vermelha (sangrenta) ou particularmente
pungente.
Cuidados:
Beber muita água e urinar
quando a natureza chama ajudam a evitar a infeção, mas nem sempre. As
estratégias para evitar ITUs são semelhantes àquelas para evitar outras infeções
vaginais. Tire o calção e limpe-se o mais rápido possível. Se você estiver
propensa a infeções do trato urinário, alguns estudos sugerem que o suco de
cranberry pode reduzir a ocorrência desse tipo em mulheres que têm infeções
frequentes, pois contém uma substância química chamada proantocianidina do tipo
A. Essa substância age como um revestimento antiaderente contra bactérias na
bexiga, ressalta a doutora.
FOLICULITE:
São escoriações e ulcerações
abertas em qualquer região da vagina. Geralmente podem ser bastante dolorosas.
Causa:
Pressão constante e atrito no
mesmo local irão irritar e inflamar a sua pele a longo prazo, deixando-a
aberta/propensa à infeção.
Sintomas:
Ulcerações, seções irritadas
da pele, ou poros cheios de bactérias como espinhas. Independentemente da sua
forma, ficam sensíveis e causam bastante dor.
Cuidados:
O selim correto e o ajuste
adequado da bicicleta podem ajudar muito na prevenção dessas doenças, como
também a higiene adequada e outras medidas preventivas, tais como:
Lubrifique:
há no mercado, em lojas
especializadas em venda de bicicletas e acessórios, cremes desenvolvidos para
reduzir o atrito entre a pele e o calção. Esfregue um pouco no calção e na sua
pele para máxima proteção. Há cremes específicos para mulheres, que são
especialmente formulados para ajudar a manter o equilíbrio de pH saudável da
vagina. Não use vaselina. A mesma tem como base o petróleo e não é adequado
para uso ginecológico.
Depilação:
Remova os pelos, mas cuidado
para não fazer uma remoção intensa. “A depilação para o ciclismo não deve ser a
mesma usada para ir na praia, porque pode abrir a porta para infeções, pelos
encravados e folículos infetados”, diz o Dr. Pruitt. “Seus pelos púbicos formam
uma camada protetora entre os tecidos sensíveis e o atrito com o selim”, diz
ele. A depilação total elimina essa proteção e pode criar mais problemas. Isso
não quer dizer que você tenha que ficar natural, mas opte por uma depilação que
deixe o pelo rente e se possível aplique uma leve camada de pomada antibiótica
após a depilação.
Barreira
protetora:
Algumas mulheres têm problemas
com o atrito interno da coxa, pois os lados do selim esfregam na pele delicada.
Muitas triatletas (que são muito propensas a fricção) montam direto na
bicicleta com a roupa encharcada de água). É recomendado o uso de gel anti
atrito que são projetados especificamente para evitar o atrito formando uma
superfície protetora sedosa na pele.
Alterne seu
calção:
Como os selins, o calção tem
diversas formas e tamanhos e algumas podem vestir melhor do que outras. Opte
por um calção que encaixe perfeitamente ao seu corpo, que permaneça firme e não
irrite a pele ou cause pontos de aquecimento quando estiver pedalando. Nunca
use roupa íntima com o calção. O calção foi feita para ficar em contato direto
com o corpo.
Fisioterapia
pélvica
A Dra. Kracochansky também
explicou o que é a fisioterapia pélvica, para que serve e que tipo de disfunção
vaginal ela trata.
A fisioterapia pélvica é uma
especialidade da fisioterapia responsável por fortalecer o assoalho pélvico,
que é o músculo responsável por sustentar os órgãos pélvicos, evitando
problemas causados pela perda de força naquela região, como incontinência
urinária.
A doutora ressalta que é
importante ter muito cuidado com exercícios aleatórios e que prometem milagres.
Somente um especialista pode avaliar as necessidades de cada pessoa e, a
depender do problema, indicar a frequência, força e o tipo dos exercícios
adequados para a sua necessidade.
Não faça os exercícios
sozinha, mas procure o acompanhamento de um profissional especializado que vai
lhe ensinar exercícios que podem ser feitos fora do consultório, mas também irá
verificar a necessidade de realização de movimentos diferentes, a depender da
evolução (ou não) do paciente.
Estética
e rejuvenescimento íntimo
As técnicas de
rejuvenescimento íntimo disponíveis atualmente são ótimas no auxílio do
controle e reparação de diversos problemas apresentados pelas ciclistas.
Os tratamentos usados no
rejuvenescimento íntimo estimulam a produção de colágeno, aumento da
lubrificação vaginal, melhora de sintomas como perda urinária e ressecamento.
Em outros casos, ciclistas desejam clarear a região genital, que escurece com o
atrito da pele com o calção e o selim. Ou ainda, corrigir flacidez dos grandes
e pequenos lábios e aumento da sensibilidade nas relações sexuais, esclarece a
doutora.
“Há muito tempo atrás não se
pensava em cuidados com a genitália da mulher. A estética íntima é uma
verdadeira revolução no tratamento da mulher”, ela celebra.
Por: Revista Bicicleta
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