CONTRIBUTOS
E POSIÇÃO PÚBLICA relativamente ao Plano Estratégico Nacional de Segurança
Rodoviária - PENSE 2020
No
âmbito do processo de discussão pública do PENSE 2020 - Plano Estratégico Nacional
de Segurança Rodoviária - promovido pelo Ministério da Administração Interna e
perante as propostas da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que
no âmbito das suas competências, desenvolveu o presente Plano Estratégico,
definindo um conjunto de objetivos estratégicos e operacionais até 2020, bem
como um plano de ações e medidas a adotar; a Federação Portuguesa de
Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) assume a seguinte posição:
1.
A FPCUB teve oportunidade de assistir a anteriores apresentações sobre o
trabalho desenvolvido pela ANSR em matéria de Segurança Rodoviária e face ao
exposto, manifesta a sua perplexidade pela total omissão da sociedade civil na
identificação das entidades parceiras do atual Plano Estratégico, como é o caso
da FPCUB enquanto associação representativa da mobilidade em bicicleta;
2.
É nossa convicção que o contributo da sociedade civil em temas tão prioritários
como o da prevenção rodoviária, assegura um equilíbrio indispensável para um
processo de discussão pública, democrático, maduro e equilibrado. Um
envolvimento alargado da sociedade civil aumenta a qualidade da
representatividade dos distintos grupos de interesse, como tal, a exclusão dos
utilizadores de bicicleta enquanto parceiros da definição e implementação de
medidas que contribuam para a melhoria das condições de mobilidade suave no
País, parece-nos altamente reprovável e merece o nosso total repúdio;
3.
Face ao enquadramento com que se confronta, a FPCUB terá assim de adotar uma
posição reiterando as propostas pelas quais, historicamente tem vindo a pugnar
ao longo dos anos;
4.
Interessa-nos promover uma visão política de mobilidade urbana sustentável,
naturalmente e diretamente relacionada com a prevenção do flagelo da
sinistralidade rodoviária, o aumento da utilização da bicicleta em mobilidade
urbana ou em turismo/lazer e a defesa do ambiente e dos próprios utilizadores
de bicicleta;
5.
Cumpre-nos neste exercício de participação e cidadania transmitir o forte
descontentamento de muitos associados da FPCUB (individuais e coletivos) que
por todo o país se têm apercebido do conjunto de propostas que a ANSR agora
propõe;
6.
Este Plano mantém uma visão centrada na dependência automóvel que envolve
várias entidades defensoras do interesse do automobilista (como é o caso do
ACP), o que manifestamente não respeita uma visão de descarbonização da
economia portuguesa, nem do uso eficiente do espaço público, defendida pelo atual
Governo de Portugal, assumida em Programa de Governo e reafirmada num
compromisso pelo clima com a assinatura do Acordo de Paris e de Marraquexe.
Esta
tomada de posição reafirma o seguinte: o modo bicicleta é um modo suave
alternativo na geografia das deslocações urbanas e a segurança dos modos de
deslocação serve para respeitar as suas condições de conforto e qualidade mas,
também, objetivos de sustentabilidade, dando-se, por isso, na cidade, a
prioridade aos peões, às bicicletas, ao transporte coletivo e bem menos ao
transporte individual motorizado.
Ora,
o Plano quando apresenta as medidas mais diretamente relacionadas com a
mobilidade em bicicleta expressas no Objetivo Estratégico "2. Utilizadores
Mais
Seguros"
com o Objetivo Operacional "6. Melhorar a proteção dos utilizadores
vulneráveis", tem definido no Programa de Ação "15. Plano nacional de
proteção aos utilizadores de velocípedes", o seguinte: o A15.65. Elaborar
estudo de caraterização dos acidentes com utilizadores de velocípedes; o
A15.66. Desenvolver campanha nacional dirigida aos utilizadores de velocípedes
alertando para os comportamentos de risco, incluindo a não utilização dos
equipamentos de proteção, e dirigida aos condutores de veículos automóveis com
enfoque na interação com os utilizadores de velocípedes; o A15.67. Estudar a
obrigatoriedade de utilização do capacete pelos utilizadores de velocípedes; o
A15.68. Garantir o cumprimento das regras por parte dos utilizadores de
velocípedes através de medidas de fiscalização dirigidas para os comportamentos
de alto risco, como seja o desrespeito da sinalização semafórica e a não
utilização de iluminação.
Assim
sendo, a FPCUB classifica estas propostas como negativamente discriminatórias
pois, numa fase em que se verifica uma crescente utilização da bicicleta em
mobilidade urbana, a circulação em modo bicicleta, mais uma vez, é que sai
prejudicada porque a segurança aqui é entendida como a permissividade dada aos
automobilistas para circularem com velocidade em níveis acima da “Visão Zero”,
ou seja, acima dos limites de segurança. O utilizador de modo bicicleta não
precisa de obrigatoriamente ter de usar capacete se os modos motorizados
respeitarem as condições de segurança na circulação.
Neste
sentido, considera-se necessária a revisão das medidas apresentadas naquele
programa de acção, de acordo com o seguinte: o A15.65: a elaboração dum estudo
de caracterização dos acidentes com utilizadores de velocípedes é não só
estatisticamente pouco relevante, como poderá contribuir para leituras enviesadas
de terceiros relativamente ao risco percecionado pela generalidade da
população. Trata-se de uma ação de interesse direto do setor dos seguros,
sobretudo se esta caracterização partir de um objeto de estudo tão circunscrito
que não permita uma investigação transversal e metodologicamente séria; o
A15.66: é vaga a utilização da expressão "equipamentos de proteção"
que permite uma interpretação abusiva dum excessivo conjunto de
obrigatoriedades na proteção dos utilizadores de bicicleta. Trata-se de uma
atitude, uma vez mais, estatisticamente pouco relevante, em detrimento de uma
estratégia de prioridade à sensibilização para a coexistência de tráfego e a
comportamentos de condução defensiva; o A15.67: a FPCUB é contra a
obrigatoriedade do uso do capacete dado que constitui um evidente desincentivo
ao uso de bicicleta para curtas deslocações e a baixas velocidades pelo que
deve ser revisto o conceito de segurança da circulação dentro da cidade, ou
seja, assumir como por exemplo, em cidades americanas o conceito de “Visão
Zero”. De facto, perante tantos outros fatores que estão a exigir a redução da
circulação automóvel dentro das cidades; em que os modos suaves são a
prioridade, a em que o turismo, por exemplo, em Lisboa e Porto, assume um papel
crescente e fundamental para as boas contas públicas do país; seria um erro
estratégico, dificultar a utilização da bicicleta acrescendo exigências e/ou
obrigações desproporcionadas, sobretudo se considerarmos que a bicicleta já
representa uma procura considerável nos produtos turísticos do País e grande
parte desses turistas estrangeiros não encontram esta obrigatoriedade nos seus
países de origem.
Considera-se
que os utilizadores de bicicleta devem poder optar livremente e em consciência
em função do percurso e da sua própria perceção do perigo, quanto à necessidade
ou não do uso do capacete.
Considerando
que a tendência prioritária, no panorama da mobilidade nas cidades, deveria
privilegiar a maior utilização de Transporte Colectivo, assim como, a promoção
de modos ativos/suaves como o andar a pé ou de bicicleta, a FPCUB considera que
este Plano Estratégico contém medidas incoerentes e incongruentes com esta
perspetiva de sustentabilidade das cidades pois: a) Pode contribuir para
reduzir o número de utilizadores de bicicleta nas estradas Portuguesas, à
semelhança do que aconteceu noutros países com a introdução de leis restritivas
ou de excessivo protecionismo (obrigatório); b) Demonstra desinteresse pelas
medidas de intervenção ao nível do desenho e adaptação do espaço urbano,
desprezando o interesse de uma convivência de diferentes modos de locomoção,
que por sua vez aumentaria, a segurança de todos; c) Não apresenta um
equilíbrio ou proporcionalidade ambiental, marginalizando um meio de transporte
não poluente com vantagens evidentes para a saúde pública, quer seja para os
seus utilizadores quer pela redução de emissões de CO2 e partículas poluentes
que tanto assolam as nossas cidades e derivam principalmente do uso massivo do
transporte motorizado individual;
d)
Contribui para uma visão excessivamente centrada no automóvel, prolongando a
desconsideração de diversas externalidades negativas como o valor económico da
sinistralidade, congestionamento, agravamento da saúde e qualidade de vida,
sedentarismo, obesidade, deficits de financiamento por endividamento público na
excessiva construção de infraestruturas ou equipamentos que promovem a
utilização do transporte individual motorizado; e) Existe um considerável
investimento em curso, por parte dos municípios, comunidades intermunicipais,
áreas metropolitanas e diversas entidades da administração central portuguesa,
que importa ter em consideração, para além de diversas soluções que já se
encontram em pleno funcionamento, de entre as quais destacamos, diversos
Sistemas de Bicicletas de Uso Partilhado. Uma eventual obrigatoriedade de uso
do capacete ou outros equipamentos de proteção não é exequível na utilização
dos sistemas de bicicletas partilhadas, os quais representam investimentos
consideráveis, quer de implementação, quer de operação. Quaisquer iniciativas
que venham a ser implementadas, descurando estes Sistemas, poderão colocar em
causa os modelos de negócio em que se suportam, com as consequências que daí
poderão advir (perdas de investimentos realizados, indemnizações, prejuízos
económicos pela perda do serviço para as populações residente e/ou visitante).
Resumindo,
esta abordagem vertida no Plano Estratégico é, no entender da FPCUB, altamente
penalizadora para o uso da bicicleta e contraproducente para a segurança rodoviária.
Entende-se que não é possível esperar até 2020 para ter medidas que dignifiquem
e não desencorajem o uso de modos de transporte mais sustentáveis.
À
semelhança do que se faz em França seria aliás importante o envolvimento eficaz
da comunidade escolar ao nível do ensino básico e secundário na sensibilização
para a segurança rodoviária e condução responsável dos diversos modos de
transporte.
Por
último, lamentavelmente, este Plano não antecipa desafios estratégicos que nos
parecem muito pertinentes. Refere-se, em particular, o caso da regulação e
implementação da condução autónoma, o que introduz variáveis de análise ainda
por apurar, essas sim, no nosso entender, carecendo de estudo e investigação
nas suas diversas interações que potencialmente podem gerar. Este tema
parece-nos relevante, sobretudo porque permitirá padronizar comportamentos de
condução, contribuindo para a redução de uma grande parte da sinistralidade que
tem origem no erro humano.
Concluído
o presente documento deixamos o convite à participação no evento “Inicie o Ano
a Pedalar” (dia 8 de janeiro às 10h00 no Terreiro do Paço) que é promovido
anualmente, assim como, inúmeras outras atividades ao longo do ano em beneficio
da mobilidade em bicicleta. Nesta ocasião e tendo em conta os contributos que
historicamente a FPCUB tem vindo a desenvolver, vemo-nos colocados na posição
de associar a iniciativa à defesa da promoção da bicicleta e seus utilizadores.
Lisboa,
2 de janeiro de 2017
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