sábado, 29 de outubro de 2022

“Sem bicicleta e bidões, estas mulheres moçambicanas não se casam”


Debaixo de um sol abrasador nas ruelas em terra batida de Machaze, centro de Moçambique, as mulheres fazem as tarefas diárias de bicicleta, que a maioria ganhou como presente de noivado

 

Por: Lusa

São milhares a pedalar, Lusa Síria Titosse vai transportar para casa 75 litros de água em três bidões.

“A minha primeira bicicleta foi oferecida pelo meu marido”, emigrante na África do Sul, “para ajudar nas tarefas de casa”, diz à Lusa Síria Titosse, mãe de cinco filhos, que passa quase seis horas por dia a levar água e lenha para casa.

Após enfrentar 36 graus a pedalar 50 quilómetros, ida e volta, a moçambicana de 43 anos mantém um sorriso de boa disposição no fim da jornada, sugerindo não haver espaço para preguiça ao avançar para a rotina seguinte.

É este tipo de tarefas que por tradição lhes cabe que leva as mulheres a não aceitarem um lar sem uma bicicleta.

Uma bicicleta e muita paciência: “Às vezes, vamos às três da madrugada para o fontanário e só conseguimos tirar água ao amanhecer, às cinco. Outras vezes vamos às 12:00 e só temos água às 16:00”.

Em Machaze, a bicicleta e os bidões são artigos obrigatórios no lobolo, um dote que por tradição se paga à família da noiva para se poder casar com ela.

“Casar sem bicicleta é complicado”, porque a igualdade de género é uma miragem e só com pedais as diferenças são atenuadas, frisa Adélia Nhambe, moradora de Mavonde.

“Primeiro, a mulher pergunta se tem bicicleta ou não. Sem bicicleta não aceitam”, explica, numa zona remota, a 80 quilómetros de Chitobe, a sede distrital de Machaze, onde a tradição se mantém enraizada.

“Não aceitam”, porque os costumes mandam-nas “carregar água, carregar lenha e ir à machamba”, as hortas familiares de subsistência, por vezes distantes das habitações, disse à Lusa.

 

E se o marido quer ir, apanha boleia, não costuma ser ele a pedalar

 

A distância também é um desafio quando a água provoca doenças, quando fica imprópria para consumo e as mulheres têm de procurar alternativas e também são elas que devem levar as crianças para o hospital.

Elisa Filipe equilibra muita carga à cabeça nas rotinas diárias, mas tanto bidão de água “seria impossível”, conta à Lusa, com uma mão no guiador e outra na carga que leva no assento traseiro.

Geralmente pedala num grupo, até uma dúzia de mulheres que fazem os percursos em conjunto.

As bicicletas e os bidões são comprados na África do Sul por mineiros moçambicanos que trabalham naquele país.

É comum ver veículos de transporte coletivo a atravessar a fronteira com reboques sobrecarregados de mercadoria que não existe nas aldeias remotas do país.

Em Moçambique, é preciso pagar taxas para andar de bicicleta, mas em Machaze estão isentas.

“É para facilitar o trabalho doméstico”, justifica Queface Fombe, secretário permanente do governo distrital, numa terra de povoados dispersos, com escassez de água potável, escolas e centros de saúde.

Há perfurações em curso para descobrir fontes, mas muitas vezes não jorra nada, lamenta o dirigente.

Os poucos furos abertos com sucesso atraem milhares de pessoas de várias zonas.

Enquanto se espera por mais água potável e outros serviços públicos, as mulheres de Machaze vão continuar a fazer a vida em cima de bicicletas.

Fonte: Sapo On-line

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