Ao redor de Paris, moradores
podem obter até 500 euros em subsídios para comprar uma bicicleta elétrica
Por: Liz Alderman - c. 2020
New York Times News Service
Bicicletas: governos estão
tentando reanimar a economia, mas não podem depender totalmente do transporte
público para levar os trabalhadores ao emprego.
(Benoit Tessier/Reuters)
Enquanto a França ia liberando
um dos mais difíceis bloqueios de coronavírus da Europa em maio, um pequeno
exército de trabalhadores de rua se espalhou por Paris na calada da noite. Eles
derrubaram barreiras de trânsito ao longo das pistas de carros e pintaram
símbolos de bicicletas amarelas no asfalto. Pela manhã, quilômetros de
“ciclovias corona” foram assentados, repletos de pessoas voltando ao trabalho.
Entre eles estava Christophe
Tafforeau, de 52 anos, diretor comercial de uma agência de treinamento
profissional, em meio a várias pessoas em seu trajeto pós-confinamento. “É a
primeira vez que vou de bicicleta para o escritório, pois não quero arriscar usar
o transporte público. Estou aprendendo a fazer da bicicleta meu principal meio
de locomoção”, disse Tafforeau, depois de concluir o trajeto de 20 minutos por
Paris até seu trabalho perto da Bastilha.
À medida que as cidades
europeias emergem das quarentenas, as bicicletas começam a desempenhar um papel
central para fazer a força de trabalho se mover novamente. Os governos estão
tentando reanimar a economia, mas não podem depender totalmente do transporte
público para levar os trabalhadores ao emprego devido à necessidade de
distanciamento social. Pelo menos no centro das cidades, as bicicletas são, de
repente, um componente improvável na retomada do crescimento econômico.
Os americanos também estão
aderindo às bicicletas à medida que o coronavírus limita a atividade e
desencoraja o uso do transporte público. Mas na Europa, onde muitas cidades
integraram o ciclismo como meio de transporte, a pandemia está acelerando uma
transição ecológica para limitar o tráfego de carros e reduzir a poluição,
especialmente agora que novas pesquisas fizeram ligações entre o ar poluído e
as taxas de mortalidade da Covid-19.
França, Itália, Reino Unido e
seus vizinhos estão acelerando centenas de milhões de euros em investimentos em
novas infraestruturas para bicicletas e esquemas para fazer com que as pessoas
pedalem.
Ao redor de Paris, os
moradores podem obter até 500 euros (cerca de US$ 555) em subsídios para
comprar uma versão elétrica ou um reembolso de 50 euros para reformar uma
magrela velha, o que leva milhares a esperar na fila das lojas. Projetos
públicos de aluguel de bikes estão registando uma busca recorde. Com novas vias
surgindo diariamente, a venda de bicicletas quadruplicou em cidades europeias
que acabaram com o confinamento domiciliar, com varejistas de Bruxelas a Tirana
relatando escassez.
“Esta crise deixou claro que
precisamos mudar a maneira como vivemos, trabalhamos e nos movemos. Na era do
distanciamento social, as pessoas são cautelosas em usar o transporte público,
e as cidades não comportam mais carros. Por isso, todos veem a bicicleta como
um modo natural de mobilidade para o futuro”, afirmou Morten Kabell,
executivo-chefe da Federação Europeia de Ciclistas.
As autoridades dizem que a
necessidade de distanciamento social as deixa sem escolha. As cidades europeias
reduziram a capacidade de metrôs, ônibus e trens suburbanos em até 80 por
cento. Só em Paris, cerca de dez milhões de pessoas utilizavam o transporte
público todos os dias antes da quarentena; hoje, para manter o espaço entre os
passageiros, o sistema permite apenas dois milhões, embora as restrições
estejam sendo gradualmente eliminadas este mês.
Para gerenciar o fluxo e
evitar que os carros voltem às ruas, as autoridades pediram às empresas que
mantenham os funcionários trabalhando em casa quando possível, e que alternem
os turnos para as pessoas que devem ir trabalhar. As calçadas estão sendo
ampliadas para acomodar mais pedestres. E motoristas solitários são encorajados
a formar grupos de carona com passageiros usando máscara.
“Há cerca de cinco ou seis
anos, falávamos em mudar de combustível fóssil para carros elétricos. Agora,
estamos falando de mudar de qualquer tipo de carro para outros veículos –
especialmente bicicletas”, disse Christophe Najdovski, vice-prefeito de Paris
para transportes e espaços públicos.
O governo britânico lançou
este mês um fundo de 250 milhões de libras (cerca de US$ 310 milhões) para
destinar mais espaço público aos ciclistas, ampliar calçadas e criar corredores
somente para bikes e ônibus. A medida expande um programa de “ciclo para o
trabalho” apoiado pelo Estado, junto com os empregadores, que, segundo
estimativa do governo, poderia economizar oito bilhões de libras por ano à
medida que as pessoas se exercitam mais.
Milão introduziu um programa
Strade Aperte, ou “ruas abertas”, criando 35 quilômetros de novos caminhos para
ciclistas e pedestres como parte de um projeto maior para transformar o centro
da cidade e diminuir a poluição. O governo italiano introduziu um subsídio de
70 por cento para a compra de bicicletas.
Os berlinenses ofereceram
flores aos trabalhadores que delimitavam ciclovias pela capital alemã, onde as
autoridades da cidade estão avançando com um programa previamente planejado
para favorecer pedestres e ciclistas.
Paris está à frente do grupo
nessa transformação. Antes do coronavírus, a cidade já havia adicionado cerca
de mil quilômetros de ciclovias protegidas nos últimos anos, retirando carros
das principais ruas e avenidas.
A prefeita Anne Hidalgo também
determinou que as vias próximas ao Rio Sena se destinam a ciclistas e
pedestres, e fechou faixas de avenidas muito movimentadas – atraindo a ira dos
críticos, que disseram que essas mudanças criaram maiores engarrafamentos e
mais poluição.
Enquanto a França se preparava
para suspender sua quarentena nacional, Hidalgo ordenou que as equipes de
trabalho criassem ciclovias ao redor de Paris e de seus subúrbios o mais rápido
possível, durante a noite, com o objetivo de adicionar 50 quilômetros até
junho, seguindo os trilhos de metrô e de trens suburbanos.
A Rue de Rivoli, uma das mais
congestionadas do centro de Paris, agora está totalmente reservada para
bicicletas, ônibus e táxis. As ciclovias são temporárias, mas Najdovski
observou que a cidade pode considerar torná-las permanentes “se funcionarem”.
Essa ainda é uma questão em
aberto. Embora as ciclovias sejam projetadas para manter os ciclistas seguros,
os hospitais de Paris relataram um aumento de lesões entre eles, além de
pedestres abalroados. O aumento do uso da bicicleta também criou um problema de
estacionamento que a cidade está tentando resolver, garantindo espaço em
estacionamentos e criando abrigos de bicicletas seguros.
“O coronavírus mudou o
paradigma na maneira como as pessoas se deslocam. Elas estão acordando e vendo
uma nova ciclovia em frente à sua porta. A experiência tem mostrado até agora
que, assim que uma nova ciclovia é delimitada, as pessoas começam a usá-la”,
comentou Najdovski.
Foi o caso de Tafforeau, que
comprou uma bicicleta usada no dia em que a França suspendeu o confinamento.
“Quando você vê pessoas no transporte público que não respeitam as medidas de
segurança de saúde, é assustador. Risco zero não existe, mas você pode
minimizá-lo usando a bicicleta.”
Tafforeau, um homem bem
vestido, não estava acostumado a andar de bicicleta na cidade. Mas, quando se
juntou à multidão que voltava a trabalhar na agência de treinamento
profissional na Bastilha, ele se sentiu seguro nas ciclovias, que tinham
barreiras de concreto para manter os carros longe. “Todas essas ciclovias me motivaram”,
disse ele.
Durante o trajeto saindo de
seu apartamento no bairro de Montmartre, ele se encantou ao ver Paris sob o céu
azul e se sentiu energizado com o exercício, mesmo que a volta para casa fosse
mais difícil. Ele levou 20 minutos para chegar – apenas dez minutos a mais do
que o habitual pelo metrô.
Em um dia de semana recente,
Tafforeau esperava em uma fila em frente ao Au Réparateur de Bicyclettes, a
loja onde havia comprado sua magrela, para comprar outros acessórios. O
proprietário, Stephane Cueff, foi forçado a fechar durante o confinamento e
enfrentou uma grande queda nas vendas. Com tantas pessoas esperando para
comprar ou consertar bicicletas, ele esperava recuperar os lucros perdidos
rapidamente.
Ao mostrar a Tafforeau a
maneira certa de usar um cadeado especial, Cueff disse estar animado ao ver uma
leva crescente de novos ciclistas tomando as ruas. “A bicicleta sempre fez
parte da França. Se há um lado bom do coronavírus, é que pode ser que estejamos
repensando como vivemos e recuperando parte do que perdemos”, afirmou Cueff.
Fonte: Exame on-line
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