Por: Alice Barcellos
Viajar de bicicleta é uma
experiência que alia a liberdade ao desafio, permitindo uma proximidade única
aos destinos e uma grande independência nas decisões em viagem. Mas nem tudo é
fácil.
“O caminho também é um lugar”.
A frase é do escritor José Luís Peixoto, retirada do livro “O Caminho
Imperfeito”, e pode muito bem servir de mote para este artigo. Quando se viaja
a pedalar, o caminho é saboreado de outra forma e este meio de transporte traz
ao viajante grandes vantagens.
“As possibilidades e a
liberdade que te dá, o ritmo, a exposição e o preço”, enumera ao SAPO Viagens
Rita Miranda que, juntamente com o marido Fernando Santos, está a fazer, uma
grande viagem de bicicleta por África – um projeto de vida que podemos ir
acompanhando através das redes sociais do Biciculturindo.
“Podes escolher muitos mais
caminhos do que poderias, se fosses de automóvel (ou mesmo de mota); tens a
liberdade de parar onde quiseres (coisa que de transportes não é possível) e a
liberdade de poderes ser tu a resolver os problemas de mecânica”, descreve a
viajante.
“É mais rápido do que andar a
pé e lento o suficiente para veres uma minhoca atravessar a estrada; as pessoas
ficam muito mais próximas de ti e identificam-se mais; o investimento inicial é
bem mais pequeno do que qualquer veículo motorizado e a deslocação é gratuita”,
conclui Rita, que nos escreve a partir da Costa do Marfim, na companhia de
Fernando e do filho. A família decidiu permanecer no país durante a pandemia de
coronavírus
A liberdade de conseguir parar
em qualquer lugar e fazer do caminho a própria viagem é também destacada por
Marta Durán, viajante que foi de Lisboa à Guiné-Bissau de bicicleta no ano
passado. “Poder parar onde quero, dormir nas vilas mais remotas, contactar com
os locais, ao fim ao cabo, estamos tão vulneráveis a tudo que as pessoas se
aproximam mais”, conta ao SAPO Viagens a autora do projeto Boleias da Marta.
A pedalar se vai ao longe e
estes viajantes são a prova disso.
Desafio,
o combustível da bicicleta
“Tudo parece impossível até
que seja feito”. A citação de Nelson Mandela também se enquadra muito bem no
desafio de fazer uma grande viagem de bicicleta. Afinal, implica um esforço
físico considerável, além de outro tempo para viajar, que é medido ao ritmo dos
pedais e dos quilómetros percorridos.
Rita começou a cultivar a
ideia de viajar pelo mundo de bicicleta após ler o livro “Pedalar Devagar”, de
João Gonçalo Fonseca e Valérie Fonseca. “Este casal tinha passado quatro anos a
viajar de bicicleta entre Portugal e a China e desde as primeiras páginas que
me senti impelida a fazer o mesmo. Na altura, não tinha dinheiro para o fazer e
nem sequer sabia andar de bicicleta, por isso querer fazer ‘o mesmo’ parecia um
sonho absurdo, até mesmo para mim!”, confessa Rita.
No entanto, a vontade de fazer
uma grande viagem a pedalar permaneceu. Rita aprendeu a andar de bicicleta,
começou a fazer percursos e competições de BTT, aprofundou conhecimento
mecânico e conheceu Fernando com quem dividiu esse sonho que está a ser
concretizado desde 2016.
“O nosso objetivo inicial era
dar uma volta ao mundo, mas, depois de juntarmos dinheiro para viajar durante
sete anos, achámos que era melhor pensarmos só em África e Ásia, começando
sempre pelo mais difícil”, conta Rita.
“Ao fim de quase dois anos
ainda andávamos pelo Senegal, quando decidimos ter um filho em viagem, com o
objetivo de o ter na Costa do Marfim. Feliz ou infelizmente isso não foi
possível e acabámos por ter de regressar a Portugal, eu já grávida de sete
meses e meio. Ficámos por aí até o nosso filho ter 10 meses e regressámos à
Costa do Marfim com o objetivo de ficarmos parados dois ou três meses, enquanto
ele se habituava ao clima, às pessoas, etc. Só que, entretanto, aconteceu a
pandemia e já cá estamos há quatro meses, sem ainda termos tido a oportunidade
de nos fazermos à estrada”, conta Rita.
Também o desafio moveu Marta
na escolha da forma de viajar. “De avião já tinha viajado anteriormente para a
Guiné-Bissau, apenas de transportes a aventura e o desafio não iriam ser tão
grandes, à boleia chegaria bastante rápido, então só sobrou a bicicleta que
tinha parada na garagem a ganhar pó há uns anos”, refere. “Foi a minha primeira
viagem, idolatrava quem viaja por África de bicicleta por achar um gigante
desafio e pensei nunca ser capaz até o fazer”, revela.
Volta a
Portugal em bicicleta
Inspirados por outros
viajantes que percorrem o mundo a pedalar, Nuno Neto e Liliana Freitas, autores
do projeto “Do Berço to the World”, começaram na primeira semana de junho uma volta a Portugal em
bicicleta. Mais do que nunca, este é o momento para descobrir lugares menos
conhecidos de Portugal e o casal pretende fazer isso mesmo durante a viagem,
“com tempo, sem grandes planos”, contaram ao SAPO Viagens. Sem experiência
prévia em viajar de bicicleta, os viajantes esperam percorrer “todas as regiões
de Portugal”. Pode seguir esta aventura aqui.
Se o desafio é o combustível
para pegar na bicicleta e partir, durante a viagem as dificuldades estão sempre
presentes.
“Uma das principais
dificuldades corresponde também a uma das maiores vantagens, que é a exposição.
Não podes propriamente fechar-te atrás de uma porta ou um vidro nem ‘fugir’ ao
ritmo que gostarias... Estás ali para o bem e para o mal, para ter um contacto
tremendo com as pessoas – o que é maravilhoso a maioria das vezes mas quando
não é, estás ali na mesma”, afirma Rita.
“Acho que as maiores
dificuldades foram os primeiros dias em que só pensava onde é que me tinha
metido, doía-me tudo, desde o rabo às pernas”, recorda Marta.
“Lembro-me da primeira
peripécia que foi depois de Sevilha. De repente fura um pneu e eu nunca tinha
trocado uma câmara de ar, para quem é ciclista, ao ler isso, isto ri-se porque,
de facto, é fácil”, relata. Marta não se deixou intimidar e, em poucos minutos,
já estava a pedalar outra vez.
“Apesar do cansaço físico em
nada se comparar ao cansaço mental (desengane-se quem ache o contrário), há que
o ter em consideração também. Há estradas tramadas que exigem muito de nós e há
sempre de haver momentos em que te apetece largar ali a bicicleta e continuar a
pé”, observa Rita.
Ainda assim, o esforço
compensa: “ficas a conhecer-te melhor do que nunca, os teus limites, as tuas
capacidades (que são incrivelmente superiores ao que um dia pudeste imaginar),
a ultrapassar, a contornar ou a aceitar os teus pontos fracos, a resolver e a
sair de situações que parecem quase impossíveis”.
Ter uma
bicicleta e ir
Simples assim. Esta é a
primeira dica para quem quer começar a fazer viagens a pedalar. “Todos somos
capazes de pedalar até onde quisermos basta uma bicicleta e muita vontade, não
precisamos de nada ‘xpto’ e eu fui o exemplo disso”, aconselha Marta, que
percorreu o caminho até a Guiné-Bissau, com algumas boleias e transportes pelo
meio, numa bicicleta comum “da Decatlhon, das que se vendiam há 10 anos, com
amortecedores dianteiros e traseiros, portanto um calhambeque para este tipo de
viagem”, descreve.
Rita e Fernando já fizeram
mais de 14 mil quilómetros com bicicletas montadas por eles antes de iniciarem
a viagem. Para Rita, o mais importante para quem quer começar é saber respeitar
o próprio ritmo e ter um bom selim. Aqui estão algumas dicas preciosas
partilhadas pela viajante:
•Respeitem o vosso ritmo. Não
tentem fazer das viagens de bicicleta uma corrida ou uma competição convosco
próprios (a não ser que seja mesmo esse o objetivo); não é preciso fazer todos
os dias imensos quilómetros, é preciso começar com calma e dar tempo a uma boa
recuperação diária; se estiverem a viajar com alguém, respeitem o ritmo de quem
vai mais devagar, se forçarem essa pessoa a andar mais rápido do que consegue
vão acabar por tornar a sua viagem num cansaço tremendo a todos os níveis.
•Respeitem o vosso corpo.
Comer e beber água nunca foi tão importante como o é quando se viaja em
bicicleta, porque estamos constantemente a gastar calorias; esta dica parece
descabida e demasiado óbvia mas todos nós acabamos por, mais dia menos dia,
cair no erro de deixar para mais tarde um snack ou uma refeição porque até nos
estamos a sentir bem em cima da bicicleta... e depois pode já ser tarde e haver
consequências bem chatas (produção de ácido láctico, insolação, etc.).
•Selim, o item que mais
inquietação causa nas pessoas. Sim, dói nos primeiros dias (muitíssimo do
segundo ao quarto ou quinto) mas vai passando e calejando - como em qualquer
desporto. Não é o selim mais caro, ou o que o amigo recomendou, e muito menos o
mais largo que vai resolver os vossos problemas: cada pessoa tem uma largura
específica entre os ossos ísquios, que deve medir para comprar o selim da
medida ideal; depois deve experimentar vários dessa medida para perceber se
gosta de mais fofo ou mais duro, assim ou assado. Pode demorar anos a encontrar
o selim ideal (Nando) ou ser amor à primeira "sentida" (Rita).
•Ergonomia. Assim como nem
todos temos a mesma altura ou estatura, cada bicicleta deve estar corretamente
adaptada a cada pessoa. A altura e posições do selim, espigão, avanço e guiador
são fulcrais para o sucesso do conforto numa viagem de bicicleta.
Se chegou até ao fim deste
texto, provavelmente, também ficou com vontade de sair por aí a pedalar. A
fórmula pode passar por: “agarrem na bicicleta que tiverem mais à mão e comecem
a pedalar de manhã, almocem onde tiverem chegado e voltem para trás. Vão ver
que vão ficar surpreendidos com o que alcançaram”. “Nunca arranjem desculpas
porque qualquer pessoa tem em si a capacidade de fazer longas viagens de
bicicleta, se essa for a sua vontade”, conclui Rita.
Fonte: Sapo viagens
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