Por: Ivan Silva
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
O vencedor da Volta a Espanha
de 2013, Chris Horner, ofereceu uma das análises mais realistas e sinceras
sobre o que significou para Tadej Pogacar correr lesionado na Volta a França
2025. No seu canal de YouTube, o antigo profissional norte-americano recordou o
seu próprio passado com dores e lesões, traçando um paralelismo com o
sofrimento do esloveno durante a última semana do Tour.
“Naquela altura, o tramadol
era legal e eu estava a usá-lo intensamente”, lembrou Horner sobre a Volta à
Califórnia de 2009, onde competiu com uma lesão semelhante. “Ajudou-me a
ultrapassar as etapas, mas também me fez ganhar peso dia após dia. A dor era
tão forte que só o facto de conseguir pedalar já era uma luta.”
As suas palavras surgem depois
de Pogacar ter admitido, num podcast recente, que esteve perto de abandonar a
corrida devido a fortes dores no joelho. O tetracampeão do Tour descreveu a
edição de 2025 como “a mais difícil da sua carreira”, afetada por frio intenso
nos Alpes e uma queda na 11ª etapa que alterou completamente o seu rendimento.
O
acidente e a viragem na corrida
Segundo Horner, o momento
decisivo foi a queda de Pogacar na 11ª etapa, quando tocou numa roda de um
ciclista da Uno-X e foi projetado para o lado esquerdo da estrada. “Ele bateu
na ilha, levantou-se e voltou à bicicleta. Não estou a dizer que foi isso que
causou o problema, mas quando se cai com força na anca, a postura pode mudar.
Depois, com milhares de pedaladas, algo acaba por ceder.”
As dores manifestaram-se após
a 16ª etapa, no Mont Ventoux, e a partir daí o líder da UAE Team Emirates - XRG
mudou radicalmente o seu estilo. O habitual atacante impetuoso deu lugar a um
corredor calculista, frio e defensivo, que geriu o esforço com maturidade.
“Esta foi a experiência mais
adulta e inteligente de Pogacar”, disse Horner. “Se não se consegue deixar
Jonas Vingegaard para trás, também não se deve perder tempo para ele. Ele foi
pragmático. Reduziu o acelerador.”
Nas etapas 18 e 19, vencidas
por Ben O’Connor e Thymen Arensman, Pogacar limitou-se a defender a camisola
amarela, garantindo a vitória final sem atacar desnecessariamente. “Não foi
falta de vontade ou tédio”, explicou Horner. “O que víamos era um ciclista em
sofrimento, a proteger a sua classificação geral.”
“O teu
corpo absorve tudo”
Um dos pontos mais marcantes
da análise de Horner foi o efeito fisiológico das lesões. “Sempre que o corpo
entra em trauma, ganha peso”, explicou. “Mesmo sem comer, o corpo retém
líquidos. Já estive no hospital e saí de lá sete quilos mais pesado.”
No ciclismo, essa retenção
(mesmo que de um ou dois quilos) pode ser decisiva nas últimas montanhas de uma
Grande Volta. “Em vez de perdermos peso com o desgaste da corrida, acabamos por
ganhá-lo. E cada grama conta quando se sobe o Ventoux ou o Col de la Loze.”
Horner confessou ter vivido
isso em 2009, quando competiu lesionado e dependente de tramadol, um analgésico
entretanto banido pela UCI. “Usava-o agressivamente para aguentar as etapas,
mas via o peso subir todos os dias. Disse aos meus companheiros: não esperem
por mim no Monte Palomar, a minha forma estava a desaparecer.”
O americano sublinhou que não
estava a insinuar que Pogacar recorreu a qualquer substância, apenas a reforçar
o impacto fisiológico das dores. “Quer se trate de uma lesão ou de medicação, a
retenção de água é real. E isso muda tudo.”
A
honestidade de Pogacar e a resiliência de um campeão
Para Horner, o facto de
Pogacar ter falado abertamente sobre a lesão é admirável. “Adoro a honestidade.
Dá-nos uma perspetiva mais clara do que ele passou”, disse. “As pessoas olham
para o resultado final e esquecem-se do que acontece entre o quilómetro zero e
Paris.”
O americano destacou que
vencer o Tour lesionado reforça ainda mais o estatuto do esloveno. “Ele não só
ganhou a Volta a França, como o fez em sofrimento, ao frio e sob imensa
pressão. Qualquer outro teria desistido. Ele manteve-se firme.”
O contraste com Jonas
Vingegaard foi inevitável: “Se Pogacar tivesse abandonado, toda a conversa
seria de novo sobre Jonas ser o melhor do mundo. Mas há que ter em conta as
quedas, as lesões, as dores. São essas pequenas margens que mudam tudo.”
O peso
invisível da dor
Pogacar viria a encerrar o ano
com triunfos na Il Lombardia e no Campeonato do Mundo de Estrada, dissipando
qualquer dúvida sobre um possível declínio.
Para Horner, a lição é clara:
“Uma pequena lesão no joelho poderia ter-lhe custado o Tour. Se ele desiste, o
Jonas vence e a narrativa muda por completo.”
A reflexão do americano
transcende a táctica e a performance: é o testemunho de quem conhece as
batalhas silenciosas que definem o ciclismo de elite. “Pogacar não estava
aborrecido”, concluiu Horner. “Ele estava a sofrer. E ganhou na mesma.”
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