Documentário reabre velhas feridas sobre doping
Por: Carlos Silva
Mais de uma década após o
colapso do império de Lance Armstrong, o ciclismo profissional volta a
enfrentar suspeitas profundas. Um novo documentário da televisão pública alemã
ARD, intitulado Geheimsache Doping: Im Windschatten (“Casos secretos de dopagem:
na corrente”), lança uma nova luz sobre a persistência de práticas ilícitas no
coração do pelotão. Apesar das reformas implementadas, o desporto parece ainda
viver sob a sombra de uma cultura de batota.
A produção baseia-se em
testemunhos de vários denunciantes, alguns deles ex-profissionais que colocaram
a própria segurança em risco para falar publicamente. Um deles relata: “Muitas
pessoas têm medo. Conheço alguém que queria testemunhar, mas foi ameaçado de
morte quando os líderes do esquema de doping souberam da sua intenção.”
A memória do caso Armstrong,
baseado em EPO, transfusões sanguíneas e um sistema de fraude bem oleado, ainda
assombra o desporto. A introdução do passaporte biológico e o aumento dos
controlos fora de competição visavam virar essa página, mas as revelações
apontam para métodos mais subtis e sofisticados.
Segundo o documentário,
substâncias como a EPO continuam a ser utilizadas, não nas mesmas grandes doses
dos anos 90 e 2000, mas sob a forma de micro doses, praticamente indetectáveis
com os métodos convencionais de controlo. Mais alarmante é a difusão do Aicar,
um composto difícil de rastrear e com benefícios evidentes em desportos de
resistência. “As pessoas que estão ligadas ao ciclismo dizem que o Aicar é a
droga preferida no pelotão profissional”, afirma um dos denunciantes.
Esta substância é conhecida
por melhorar o fluxo sanguíneo e alterar o metabolismo muscular, oferecendo
vantagens artificiais em provas longas e exigentes, como as das Grandes Voltas.
Como diz Oliver Catlin, um especialista americano em doping. "Se eu fosse
um atleta, tomaria Aicar, sabendo que está na lista de substâncias proibidas?
Ou tomaria um produto relacionado que não está na lista?"
O documentário vai além da
farmacologia e entra na discussão sobre os limites físicos do corpo humano.
Pierre Sallet, investigador de longa data sobre o rendimento desportivo, é
perentório: "Conhecemos os limites do desempenho humano. Sabemos o que uma
pessoa pode e não pode alcançar. Há certamente zonas cinzentas, mas a certa
altura torna-se preto no branco e aí é doping a 100%"
Pierre Sallet reforça.
"Não consigo explicar o que vejo na estrada. Um homem normal tem entre
1,60 metros e 2,20 metros de altura. Mas os desempenhos que vemos são por vezes
como se alguém tivesse 3 metros."
Apesar das suspeitas, nem
todos concordam que os ganhos nos desempenhos se devam ao uso de substâncias
proibidas. As inovações tecnológicas, a evolução dos materiais, a análise
avançada de dados, a aerodinâmica ou a nutrição são, para muitos, responsáveis
por grande parte da transformação. Filippo Galli, responsável pelo
desenvolvimento de produtos na Colnago, defende essa visão. “Os principais
desenvolvimentos são muito mais importantes do que as vantagens das substâncias
ilegais no passado. Estamos a falar de inúmeras inovações: materiais,
aerodinâmica, peso, controlo da bicicleta, aderência e conforto."
Ainda assim, subsiste a
sensação de que o ciclismo vive um jogo contínuo do gato e do rato. Para
alguns, a “caixa de Pandora” nunca foi realmente fechada. “Abriu-se uma porta
que nunca se voltou a fechar”, resume de forma crua um antigo corredor.
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