terça-feira, 4 de junho de 2024

“Os perigos ocultos dos anti-inflamatórios no ciclismo competitivo”


Por: Filipe Lima Quintas, Diretor Clínico das Seleções Nacionais de Ciclismo

No mundo exigente do ciclismo de competição, os atletas estão continuamente a testar os seus limites, lutando pela máxima performance e muitas vezes debatendo-se com o desgaste físico do treino intenso e da competição. No meio desta busca pela excelência, o uso de medicamentos anti-inflamatórios tornou-se uma estratégia comum para gerir a dor, a inflamação e as lesões. Embora estes medicamentos ofereçam alívio e permitam aos atletas ultrapassar o desconforto, o seu uso generalizado e sem a devida monitorização ou prescrição clínica acarreta uma miríade de efeitos negativos que exigem atenção.

À primeira vista, os anti-inflamatórios parecem ser uma solução conveniente, proporcionando um alívio rápido das dores e desconfortos que acompanham os regimes de treino rigorosos e as corridas exigentes. Ao mascarar os sinais de dor, os anti-inflamatórios podem inadvertidamente encorajar os ciclistas a ultrapassar os seus limites físicos, aumentando o risco de agravar lesões ou desenvolver condições crónicas.

Além disso, os potenciais efeitos secundários dos anti-inflamatórios representam riscos significativos para a saúde e o desempenho dos atletas. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como o ibuprofeno e o naproxeno, são conhecidos por causar problemas gastrointestinais que vão desde úlceras gástricas até hemorragias gastrointestinais, especialmente quando tomados durante períodos prolongados ou em doses elevadas. No mundo exigente do ciclismo competitivo, onde o desconforto gastrointestinal pode por si só ser uma queixa comum devido às exigências da intensa atividade física e da toma de alimentos e suplementos altamente processados, a adição de AINEs pode agravar ainda mais estes problemas, comprometendo a capacidade do atleta de desenvolver a sua melhor performance.

Além das preocupações gastrointestinais, o uso de anti-inflamatórios no ciclismo tem sido associado a efeitos adversos na função cardíaca e renal. A desidratação, uma ocorrência comum durante passeios ou corridas prolongadas, aliada aos efeitos renais de certos AINEs, pode colocar uma pressão adicional nestes órgãos, potencialmente levando a disfunção cardíaca isquémica ou até mesmo lesão renal aguda. Para os ciclistas que levam os seus corpos ao limite em condições extremas, como corridas de vários dias ou eventos de resistência, este risco aumentado torna-se ainda mais importante considerar de forma parcimoniosa a necessidade do uso de medicamentos anti-inflamatórios.

Além disso, o impacto dos anti-inflamatórios estende-se além do âmbito físico, influenciando o bem-estar mental e emocional dos atletas. A dependência desses medicamentos para gerir a dor pode promover uma mentalidade de dependência, onde os ciclistas se sentem motivados a tomar comprimidos ao primeiro sinal de desconforto, em vez de abordar as causas subjacentes das suas doenças através de descanso adequado, recuperação e reabilitação. Esta dependência não só perpetua um ciclo de uso excessivo e potencial dano, mas também destrata a abordagem holística necessária na saúde em relação ao desempenho desportivo que é essencial para o sucesso a longo prazo no desporto.

À luz destas preocupações, é imperativo que os ciclistas e a comunidade desportiva em geral reavaliem o papel dos anti-inflamatórios no tratamento da dor e das lesões. Embora esses medicamentos possam oferecer alívio temporário, o seu uso generalizado sem supervisão clínica adequada e consideração dos riscos associados representa uma ameaça para a saúde, o bem-estar e a longevidade competitiva dos atletas. No futuro, uma abordagem consciente, baseada na melhor evidência médico-desportiva que priorize a prevenção de lesões, o uso prudente e supervisionado de medicamentos por parte de um médico assistente e estratégias de cuidados abrangentes será essencial para proteger a saúde e a integridade dos ciclistas em todos os níveis do desporto.

Fonte: Federação Portuguesa Ciclismo

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