Por: Filipe Lima Quintas, Diretor Clínico das Seleções Nacionais de Ciclismo
No mundo exigente do ciclismo
de competição, os atletas estão continuamente a testar os seus limites, lutando
pela máxima performance e muitas vezes debatendo-se com o desgaste físico do
treino intenso e da competição. No meio desta busca pela excelência, o uso de
medicamentos anti-inflamatórios tornou-se uma estratégia comum para gerir a
dor, a inflamação e as lesões. Embora estes medicamentos ofereçam alívio e
permitam aos atletas ultrapassar o desconforto, o seu uso generalizado e sem a
devida monitorização ou prescrição clínica acarreta uma miríade de efeitos
negativos que exigem atenção.
À primeira vista, os
anti-inflamatórios parecem ser uma solução conveniente, proporcionando um
alívio rápido das dores e desconfortos que acompanham os regimes de treino
rigorosos e as corridas exigentes. Ao mascarar os sinais de dor, os
anti-inflamatórios podem inadvertidamente encorajar os ciclistas a ultrapassar
os seus limites físicos, aumentando o risco de agravar lesões ou desenvolver
condições crónicas.
Além disso, os potenciais
efeitos secundários dos anti-inflamatórios representam riscos significativos
para a saúde e o desempenho dos atletas. Os anti-inflamatórios não esteroides
(AINEs), como o ibuprofeno e o naproxeno, são conhecidos por causar problemas
gastrointestinais que vão desde úlceras gástricas até hemorragias
gastrointestinais, especialmente quando tomados durante períodos prolongados ou
em doses elevadas. No mundo exigente do ciclismo competitivo, onde o
desconforto gastrointestinal pode por si só ser uma queixa comum devido às
exigências da intensa atividade física e da toma de alimentos e suplementos
altamente processados, a adição de AINEs pode agravar ainda mais estes
problemas, comprometendo a capacidade do atleta de desenvolver a sua melhor
performance.
Além das preocupações
gastrointestinais, o uso de anti-inflamatórios no ciclismo tem sido associado a
efeitos adversos na função cardíaca e renal. A desidratação, uma ocorrência
comum durante passeios ou corridas prolongadas, aliada aos efeitos renais de
certos AINEs, pode colocar uma pressão adicional nestes órgãos, potencialmente
levando a disfunção cardíaca isquémica ou até mesmo lesão renal aguda. Para os
ciclistas que levam os seus corpos ao limite em condições extremas, como
corridas de vários dias ou eventos de resistência, este risco aumentado
torna-se ainda mais importante considerar de forma parcimoniosa a necessidade
do uso de medicamentos anti-inflamatórios.
Além disso, o impacto dos
anti-inflamatórios estende-se além do âmbito físico, influenciando o bem-estar
mental e emocional dos atletas. A dependência desses medicamentos para gerir a dor
pode promover uma mentalidade de dependência, onde os ciclistas se sentem
motivados a tomar comprimidos ao primeiro sinal de desconforto, em vez de
abordar as causas subjacentes das suas doenças através de descanso adequado,
recuperação e reabilitação. Esta dependência não só perpetua um ciclo de uso
excessivo e potencial dano, mas também destrata a abordagem holística
necessária na saúde em relação ao desempenho desportivo que é essencial para o
sucesso a longo prazo no desporto.
À luz destas preocupações, é
imperativo que os ciclistas e a comunidade desportiva em geral reavaliem o
papel dos anti-inflamatórios no tratamento da dor e das lesões. Embora esses
medicamentos possam oferecer alívio temporário, o seu uso generalizado sem
supervisão clínica adequada e consideração dos riscos associados representa uma
ameaça para a saúde, o bem-estar e a longevidade competitiva dos atletas. No
futuro, uma abordagem consciente, baseada na melhor evidência médico-desportiva
que priorize a prevenção de lesões, o uso prudente e supervisionado de
medicamentos por parte de um médico assistente e estratégias de cuidados
abrangentes será essencial para proteger a saúde e a integridade dos ciclistas
em todos os níveis do desporto.
Fonte: Federação Portuguesa
Ciclismo
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