Por: Pascal Michiels
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
Rescisão com a Podium,
providência cautelar e investigação judicial marcaram o primeiro ano da atual
liderança federativa.
O primeiro ano de Cândido
Barbosa na presidência da Federação Portuguesa de Ciclismo tem sido tudo menos
uma “época de adaptação” discreta. A promessa de transparência e de
“conhecimento aprofundado da pasta” com que o próprio enquadrou 2025 no Plano
de Atividades e Orçamento transformou-se, na prática, numa sucessão de frentes
abertas, algumas delas com potencial para deixar marcas duradouras na
credibilidade institucional.
A rutura
com a Podium, o maior incêndio público
O caso mais ruidoso é, sem
surpresa, o divórcio com a Podium Events, histórica organizadora da Volta a
Portugal, e também da Volta ao Alentejo e da Volta a Portugal do Futuro. A 10
de novembro de 2025, a FPC anunciou a cessação “com efeitos imediatos” do
contrato de concessão, invocando incumprimento e obrigações de pagamento,
antecipando o fim da relação contratual.
A Podium respondeu acusando a
Federação de “falta de decoro e lealdade”, afirmando ter sabido do corte
através de contactos da FPC com patrocinadores, e rejeitando a narrativa de
dívida tal como lhe era imputada.
O que começou como uma disputa
sobre incumprimentos e contas rapidamente escalou para um problema de
calendário e de soberania do ciclismo português. A federação veio admitir
constrangimentos de tesouraria ao ponto de ter recorrido à banca para assegurar
a gestão corrente, numa explicação que, mesmo se justificada no contexto do
conflito, expõe fragilidades de planeamento e dependência de um parceiro
externo para a estabilidade financeira.
E, como se não bastasse a
guerra de comunicados, o litígio entrou na via judicial: a 10 de dezembro de
2025, a Podium anunciou a interposição de uma providência cautelar para travar
a decisão da FPC.
Do ponto de vista político e
reputacional, aqui há três perguntas que ficam por responder com a clareza que
uma federação exige:
1. Que auditoria interna
sustenta, de forma publicamente verificável, a tese do incumprimento e a
proporcionalidade de uma rescisão unilateral.
2. Que plano de contingência
existia para proteger as provas e os patrocinadores caso a disputa fosse para
tribunal, como aconteceu.
3. Porque razão a federação chegou a um ponto em que a prova bandeira do país fica presa numa batalha jurídica em plena preparação da época seguinte.
Da gestão
desportiva ao ruído institucional
O conflito com a Podium não é
apenas um “problema de fornecedor”. A própria discussão pública foi contaminada
por críticas sobre o desenho desportivo da Volta, nomeadamente em torno do
número de participantes, com Barbosa a defender que não é aceitável uma partida
limitada, e a admitir que não teme uma “batalha jurídica”.
Ao assumir a organização da
Volta a Portugal como solução transitória, a FPC tenta estancar a hemorragia,
mas assume também um risco operacional pesado: uma federação que regula e
supervisiona passa, ao mesmo tempo, a ser organizadora, com tudo o que isso
implica em conflitos de papéis, escrutínio e exigência de transparência.
A nuvem
mais grave: investigação por alegado conflito de interesses
Se o caso Podium é o maior
incêndio público, a frente potencialmente mais séria é outra. A 19 de dezembro
de 2025, foi noticiado que Cândido Barbosa está a ser investigado pelo
Ministério Público na sequência de denúncias relacionadas com uma alegada venda
fictícia de empresa e suspeitas de conflito de interesses, envolvendo a
contratação de uma empresa de que terá sido proprietário para prestar serviços
à federação. A Procuradoria-Geral da República confirmou a existência de
inquérito, segundo notícias que citam o Expresso.
Mesmo com a presunção de
inocência intacta, este tipo de processo tem um efeito imediato: fragiliza a
autoridade moral de qualquer discurso sobre “rigor”, “transparência” e
“reabilitação” institucional. E obriga a FPC a um nível de prestação de contas
superior ao habitual, sob pena de deixar o debate entregue a ruído e
insinuações.
Clima
interno: alegações de assédio e queixas de “decisões abruptas”
O primeiro ano da presidência
também tem sido acompanhado por relatos de conflito interno. Há acusações de
assédio laboral por parte de um ex-assessor de imprensa, que descreveu um
ambiente de decisões abruptas e rutura com o passado, com Barbosa a rejeitar
categoricamente essas práticas, segundo o mesmo relato.
Aqui, o problema não é apenas
jurídico, é cultural: uma federação vive de confiança, de capital humano e de
redes, e quando surgem denúncias de ambiente tóxico ou de governação
personalista, a instituição começa a perder competitividade onde mais precisa
de ganhar: na capacidade de atrair parceiros, eventos, talento e credibilidade
junto de clubes, equipas e patrocinadores.
O padrão
que se desenha e o custo para a Federação
Somando as peças, fica a
sensação de um mandato que trocou a normalidade institucional por uma lógica de
choque permanente: uma rescisão unilateral que ameaça arrastar as principais
provas para tribunal, dificuldades de tesouraria assumidas publicamente, e um
inquérito do Ministério Público com suspeitas de conflito de interesses.
A questão já não é apenas
“quem tem razão” em cada dossier. É perceber se a FPC está a governar com
padrões de boa administração: processos documentados, decisões proporcionais,
comunicação transparente, e mecanismos de controlo internos que resistam ao teste
do escrutínio público.
O que uma
federação deve fazer quando está no centro do ciclone
Se a FPC quiser recuperar
terreno, há medidas de baixo custo e alto impacto que não dependem de slogans:
1. Publicar um relatório
cronológico, factual e documentado sobre o caso Podium, com fundamentos
contratuais, valores em disputa e plano para 2026.
2. Separar, com regras claras,
as funções de organizador e regulador, enquanto durar a solução transitória.
3. Reforçar políticas de
conflito de interesses e contratação, com auditoria externa e regras de
transparência, sobretudo à luz das notícias sobre investigação,
4. Tratar o clima laboral como
tema de governação, não como guerra pessoal, garantindo canais formais e
independentes para queixas e apuramento de factos.
Porque o dano maior, no fim,
não é perder um braço de ferro jurídico ou ganhar uma providência cautelar. É
deixar a modalidade refém de uma federação que passa mais tempo a explicar
crises do que a construir futuro.
O Livro
Paralelamente a estas tensões
de mandato, foi lançado pela própria federação um livro comemorativo dos 125
anos da FPC, prometido como um instrumento de preservação da memória da
modalidade. O resultado foi justamente o oposto. A obra está recheada de erros
factuais, imprecisões e afirmações que colidem com a realidade histórica do
ciclismo nacional, incluindo dados incorrectos sobre resultados internacionais,
interpretações distorcidas de factos significativos e omissões de figuras e
ciclos desportivos fundamentais. A falta de rigor tornou o livro menos um
tributo histórico e mais um compêndio de equívocos, cujo impacto no património
cultural da modalidade será difícil de reparar sem uma revisão profunda.
O que se esperaria de um
organismo que aspira à excelência era uma abordagem cuidada, transparente e
criteriosa à sua própria história. Em vez disso, a publicação caiu no extremo
oposto: uma sucessão de lapsos que alimentam dúvidas sobre os critérios editoriais
e a própria visão institucional da federação.
Pode visualizar este artigo
em: https://ciclismoatual.com/ciclismo/entre-promessas-e-polemicas-o-primeiro-ano-de-candido-barbosa-no-topo-da-fpc


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