Por: Miguel Marques
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
Após quase 20 anos no pelotão
profissional, Elizabeth Deignan decidiu terminar a carreira a meio da temporada
de 2025. Aos 37 anos, somou 43 vitórias na estrada numa carreira longa e
bem-sucedida, incluindo a Volta à Flandres, Paris-Roubaix Feminino, Liege-Bastogne-Liege,
a Volta a França de 2020 (quando ainda era prova de um dia) e o Campeonato do
Mundo de estrada de 2015.
Não há
lugar como a casa
Uma das primeiras decisões
após a reforma foi deixar o Mónaco e regressar à terra natal (Otley, em
Yorkshire). “O Mónaco cumpriu a sua função, mas estar em casa é maravilhoso.
Adoro as pessoas. Não consigo ir ao supermercado sem conversar com um desconhecido,
coisa que não acontecia no Mónaco”, disse em entrevista à Cycling Weekly.
“As pessoas são muito abertas
e calorosas, e depois há o campo, o verde. E suponho que há algo nas raízes, é
uma sensação física. Quando aterro no Aeroporto de Leeds Bradford, há um
suspiro: estou de volta”.
A reforma, admite, chegou de
forma mais suave do que esperava. “É um pouco assustador como tem sido fácil
até agora. Não sou ingénua; sei que esse momento chegará”, previu Deignan,
referindo-se à experiência do marido, Philip Deignan, também ex-ciclista profissional
que se retirou em 2018.
“Fala-se muito do processo de
luto, de lamentar a identidade anterior, mas acho que já tinha começado a
construir a minha outra identidade. Talvez me atinja em dezembro, quando todos
forem para os estágios, mas aí poderei ir à peça de Natal da minha filha na
escola, coisas que não pude fazer durante anos. Estava muito pronta para me
retirar”.
Embora Deignan esteja
atualmente grávida do terceiro filho, a reforma já estava planeada antes da
gravidez. “Foi um instinto. O ciclismo começou a parecer sacrifício em vez do
sonho que costumava ser”, afirmou. “Tinha alcançado tudo o que sempre quis. Se
a chama não se tivesse apagado, se realmente ainda o quisesse, poderia ter
feito resultar, mas simplesmente já não queria”.
Uma
carreira nascida por acaso
O seu percurso no ciclismo
começou quase por acaso, após uma visita da British Cycling à sua escola.
“Imaginem se não tivesse ido à escola naquele dia, a minha vida teria sido
completamente diferente”, recordou. “Sinceramente, achava que o ciclismo era um
desporto de senhores velhos e não me identificava com ninguém dentro da
modalidade”.
Inicialmente encarou a
oportunidade de forma pragmática, mesmo não querendo abdicar de outras
modalidades que, na altura, a interessavam muito mais. “Deram-me 500 libras e
uma bicicleta, e pensei: ‘Não vou dizer que não, mas vou continuar com o
hóquei, o netball e os outros desportos na escola’”.
O momento decisivo que a
convenceu a seguir carreira no ciclismo chegou numa etapa da Taça do Mundo de
pista. “Era glamoroso, emocionante, luzes brilhantes, e a partir desse momento
fiquei cativada. Não gostava muito da escola e [a British Cycling] começava a
montar um caminho rumo aos Jogos Olímpicos. Sempre adorei desporto, sempre quis
ser atleta, e fez-se luz”.
Após terminar os A-levels,
Deignan integrou a Track Academy em Manchester em 2004. Recorda um ponto de
viragem mais tarde na pista. “Nos Jogos Olímpicos de 2008, a única medalha que
não conseguiram foi na corrida por pontos feminina. Nesse outubro, venci a
corrida por pontos, o scratch e a perseguição por equipas [na Taça do Mundo de
pista em Manchester], e preenchi a lacuna, por isso havia um lugar para mim.
Estava num percurso em que recebia dinheiro suficiente para me sustentar”.
Independência financeira e
tédio com a vida que levava na altura foram os dois fatores principais para a
convencer a mudar-se para a estrada.
“Estava cansada da vida em
Manchester e já tinha provado a estrada. Tive muita sorte em começar a
trabalhar com a Emma [Wade], a minha agente, porque vinham aí os Jogos
Olímpicos e havia dinheiro de patrocinadores pessoais, algo que outros atletas
na Europa não tinham. Pude virar costas ao financiamento e tentar vingar na
estrada em 2011. Também tive a sorte de vir de um contexto privilegiado; os
meus pais estariam lá para me amparar se precisasse”.
Pausar a
carreira por uma boa razão
Em 2018, Deignan afastou-se
temporariamente da competição para ser mãe pela primeira vez. “A decisão de ser
mãe a meio da carreira nunca pretendeu ser pioneira; foi sobretudo emocional:
estou casada, quero ser mãe jovem. Mais uma vez, fui orientada de forma
brilhante pela Emma. Fez uma enorme diferença ter alguém a advogar por mim, a
acreditar em mim e no processo”.
“Começar a relação com a
equipa Trek [em 2019] foi simplesmente brilhante e mudou completamente o meu
prazer pelo desporto. Senti-me realmente valorizada e feliz fora da bicicleta.
Ser mãe foi, sem dúvida, a melhor coisa que me aconteceu. Já não era tudo sobre
mim, e isso libertou-me”.
Ao refletir sobre a sua
identidade competitiva, Deignan descreve-se como uma todo-o-terreno. “Não me
descreveria como corredora de geral ou trepadora, não tenho a mentalidade para
isso. Às vezes olho para um corredor como o Tom Pidcock, muito versátil, e
penso: ‘Porque é que se está a sujeitar a tentar ser corredor de geral quando
podia ganhar todas as Clássicas do calendário?’”
Questionada sobre a conquista
de que mais se orgulha, a resposta pode surpreender. “Tenho muito orgulho no
facto de ter vencido o UCI World Tour em 2020 - o ano da pandemia. Toda a gente
dizia, ‘Treina! Treina!’ Eu estava confinada com um bebé de um ano e pensava,
‘Não vou continuar a treinar a esta intensidade. Vou abrandar um pouco até
saber que o calendário competitivo está de volta’”.
“Tive confiança em mim,
ignorei o ruído e venci o World Tour, porque fui a ciclista mais consistente do
mundo quando o calendário regressou. Orgulho-me de ter conseguido fazê-lo e de
ter correspondido”.
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