Por: Miguel Marques
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
No pelotão profissional,
raramente se fala em público de conflitos internos. Há, porém, exceções, e a
UAE Team Emirates - XRG costuma estar no centro delas pela quantidade de
líderes e corredores de topo. Um elemento da equipa partilhou com o CiclismoAtual
e o CyclingUpToDate a sua perspetiva sobre o conflito entre João Almeida e Jan
Christen no dia de abertura da Volta à Suíça, que quase custou a vitória à
equipa na corrida.
A UAE tem muitos egos para
gerir, e nem sempre isso é possível nas melhores condições. Veja-se o caso de
Juan Ayuso: por mútuo acordo, a equipa rescindiu o contrato no verão passado
para permitir a saída do espanhol.
Ayuso esteve envolvido num
choque interno na Volta a França 2024, quando, na 4ª etapa, com final em
Valloire, aparentou esconder-se no fundo do grupo dos favoritos enquanto João
Almeida e Adam Yates preparavam um ataque para Tadej Pogacar. Mas não é caso
único. Muitas vezes estes episódios não chegam à comunicação social e
resolvem-se internamente. Outras vezes, passam pelas malhas.
E que grande “falha” foi a da
etapa inaugural da Volta à Suíça? A equipa alinhou com o principal favorito,
João Almeida, mas logo no primeiro dia ele perdeu mais de 3 minutos para o
vencedor da etapa Romain Grégoire, e quase três para corredores como Kévin
Vauquelin (que segurou a camisola amarela até ao último dia, quando Almeida
finalmente o ultrapassou) e Julian Alaphilippe. A chuva e um arranque caótico
explicam o desfecho. A UAE tinha Felix Grossschartner no grupo da frente, com
mais de 20 homens, mas não era prioridade para a equipa.
O que aconteceu atrás tinha
tudo para ficar em privado. A transmissão teve falhas por causa do mau tempo e
praticamente não houve imagens do pelotão. Romain Grégoire atacou a partir da
fuga, venceu a etapa e esteve no centro das atenções. Mais de 3 minutos depois,
chegou o grupo dos favoritos com Almeida, Jan Christen e cerca de 15
corredores. O que a TV não mostrou foi um choque interno entre os homens da
UAE, com Christen no centro do problema.
Mikkel
Bjerg atiça a polémica
João Almeida acelerou no
subida final de 3 quilómetros que terminava a 15 quilómetros da meta. Não se
abriram grandes diferenças. Já na aproximação a Küssnacht, Jan Christen atacou.
O suíço parecia ter carta branca no alinhamento e não quis sacrificar a hipótese
de um bom resultado. Algo que, apesar da decisão na 1ª etapa, não se confirmou.
Em declarações à TV2 nesse
dia, o colega Mikkel Bjerg deixou um comentário duro sobre o companheiro:
“Fiquei muito surpreendido por ele ter atacado. É bom ver que tem boas pernas.
É uma pena que ainda não perceba como ajudar o resto da equipa, mas é o que é”.
Mesmo que o problema tenha
sido resolvido em privado, esta crítica pública foi invulgar e um sinal claro
de que o ambiente no autocarro da UAE estava longe do ideal nesse dia.
Christen
não retribuiu o favor
A surpresa foi maior tendo em
conta que, quatro meses antes, Almeida “ofereceu” literalmente uma vitória a
Christen. Na Volta ao Algarve, a 2ª etapa com chegada ao Alto da Fóia foi um
jogo tático. Christen integrou um grupo atacante no sopé da subida final,
enquanto Almeida ficou com Jonas Vingegaard e Primoz Roglic. Para sorte da UAE,
ambos foram os mais fortes nos respetivos grupos.
Christen atacou para vencer e,
atrás, Almeida deixou Vingegaard em dificuldades de forma surpreendente,
alcançou Christen, mas não o ultrapassou à vista da meta. Na sua “corrida de
casa”, teria sido um triunfo muito prestigiante para Almeida, e o primeiro da
época.
Com Almeida como homem a bater
na Suiça e Christen a partir sem estatuto de favorito, sem o mesmo histórico em
longas subidas do português, a opção de não ajudar o colega soou estranha e
deixou muitos sem resposta. “Se fosse eu, também teria retribuído o favor, é
óbvio”, partilhou um corredor anónimo da UAE Team Emirates - XRG connosco.
Corredor
da UAE partilha descontentamento com Christen
A mesma fonte explicou porque
Christen não puxou por Almeida, num dia que podia ter sentenciado as aspirações
da equipa à geral. “Pelo que sei, o Jan queria começar a Volta à Suiça como
líder”. O suíço de 21 anos acabou por abandonar na 6ª etapa e não teve um
papel-chave na perseguição de Almeida à amarela, que no fim foi bem-sucedida.
Relata ainda que Almeida pediu
a Christen para trabalhar nesse dia e que houve recusa num terreno traiçoeiro.
“Com a chuva e tudo, ficaram só o João e o Jan. O João disse ao Jan para puxar
e o Jan respondeu ‘não, não vou’. Então o João atacou, irritado”.
Em 2025, Christen teve vários
papéis de liderança, incluindo na Clásica San Sebastián, onde ele e Isaac del
Toro falharam taticamente na subida final, incapazes de se distanciarem antes
de serem descarregados por Giulio Ciccone. Foi também quarto na Volta à Polónia
e somou vários top-10 no início do ano.
Em 2026, ambos vão alinhar
juntos na Volta a Itália, com Almeida como claro favorito à maglia rosa e uma
guarda de luxo que inclui Christen, Adam Yates, Jay Vine, António Morgado,
Florian Vermeersch e Igor Arrieta. Esperemos que desta feita o suíço entenda
que deve proteger o seu líder e não lutar por ambições individuais.
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