Por: Carlos Silva
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
A Volta a França de 2025
introduziu uma mudança que entusiasmou grande parte dos adeptos de ciclismo. Na
histórica etapa 21, em Paris, o tradicional percurso ao longo dos Campos
Elísios, habitualmente reservado aos sprinters, foi substituído por um formato
de clássica com Montmartre como subida decisiva, onde Wout van Aert superou
Tadej Pogacar para encerrar a edição. O sucesso levou à confirmação de que a
fórmula se repetirá em 2026, ainda que com menor inclinação. A inovação
continua a gerar entusiasmo, mas também motivou críticas por parte dos
puristas.
Entre essas vozes está Marcel
Kittel, um dos melhores sprinters puros da última década, vencedor de 14 etapas
na Volta a França, que lamenta a transformação do Tour. No podcast Domestique
Hotseat, o alemão falou de forma particularmente sincera sobre aquilo que
considera ser uma erosão do espaço competitivo reservado aos homens rápidos.
Para Kittel, a redução das
oportunidades para os sprinters representa uma ameaça ao equilíbrio histórico
da corrida. "Costumava haver oito ou dez hipóteses", recorda.
"Agora, se tivermos sorte, há quatro." Mais do que um simples ajuste
no percurso, vê uma perda gradual do território que definia a sua
especialidade.
Etapas
planas em risco
O antigo campeão é claro ao
defender que não se pode exigir espetáculo em etapas que não o permitem.
"Se uma etapa é completamente plana, não se pode esperar um milagre só
porque há sprinters", explicou. Considera injusta a pressão sobre as equipas
para animarem a corrida em dias onde o pelotão necessita de recuperar e onde o
traçado não favorece ataques ou caos tático.
"A etapa é tão
emocionante quanto o percurso o permite", sublinha. Quando os raros dias
planos se tornam etapas de transição com dureza excessiva, os sprinters ficam
sem espaço para construir a sua estratégia de sobrevivência na montanha em troca
de prémios nos sprints finais.
Mas é quando aborda o fim do
Tour que a emoção transparece mais. Para Kittel, o sprint nos Campos Elísios
não era apenas tradição, era a recompensa lógica após três semanas de
sacrifício. "Perdeu-se uma grande tradição", lamenta, num tom que denuncia
a dimensão pessoal da crítica.
A memória
de Paris através do olhar de um sprinter
Com 89 vitórias profissionais,
incluindo 14 no Tour, quatro na Volta a Itália e uma na Vuelta, Kittel fala com
autoridade. Ganhou duas vezes na chegada parisiense, e cada detalhe permanece
vivo na sua memória.
Recorda o momento em que a
atmosfera mudava antes da última batalha: "Entrar em Paris, chegar aos
Campos Elísios, cruzar a linha da meta pela primeira vez... sente-se
imediatamente que está a começar um momento crucial." A descrição torna-se
quase sensorial. "Paris tem um cheiro diferente. Sobretudo os Campos
Elísios. Cheira a comida e a perfume. Não é como as outras chegadas do
Tour."
Um
ciclismo em mudança
Kittel reconhece que o
ciclismo evoluiu e que os sprinters atuais têm de se adaptar. "Têm de ser
mais versáteis. A competição também mudou: praticamente todas as equipas têm
agora o seu próprio sprinter e cada oportunidade é mais valiosa precisamente
porque há menos."
"Cada sprint é mais
difícil do que antes", admite. Com menos dias à sua medida, os velocistas
enfrentam maior pressão em cada tentativa.
O alemão não pede um regresso
ao passado, nem critica a inovação por princípio. A sua mensagem é diferente: o
Tour não pode esquecer o que o tornou único. As etapas para sprinters eram
parte essencial do equilíbrio natural da corrida, funcionavam como contraste,
oportunidade, recuperação e tensão pura no derradeiro dia.
"É uma parte do que faz
com que a Volta seja a Volta", conclui.
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