Por: Miguel Marques
Em parceria com: https://ciclismoatual.com
O ciclismo português vive um
dos períodos mais consistentes da sua história recente no World Tour. Longe dos
tempos em que a presença nacional ao mais alto nível se resumia a casos
isolados, Portugal entra em 2026 com um grupo sólido, diversificado e distribuído
por algumas das equipas mais relevantes do pelotão internacional. João Almeida,
Nelson Oliveira, Rui Oliveira, Ivo Oliveira, António Morgado e Afonso Eulálio
formam um núcleo que cobre quase todos os perfis do ciclismo moderno:
candidatos à geral, especialistas em trabalho coletivo, pistards de elite
adaptados à estrada e jovens em clara afirmação.
A temporada de 2025 foi
histórica, pelos números e pelas sensações. Os atletas portugueses lograram o
maior número de vitórias profissionais desde 2009 - 25 - e colocou João Almeida
no top 5 do ranking mundial.
João
Almeida: de coadjuvante de luxo a líder assumido
Se houve um português que saiu
de 2025 com o estatuto definitivamente consolidado no topo do ciclismo mundial,
esse nome foi João Almeida. O corredor da UAE Team Emirates - XRG voltou a
demonstrar uma regularidade quase clínica nas provas por etapas, reforçando a
imagem de um ciclista capaz de competir ao mais alto nível durante três
semanas.
Em 2025, Almeida voltou a ser
peça-chave na engrenagem da formação mais dominadora do pelotão. Abriu o ano
com dois segundos lugares, na Volta à Comunidade Valenciana e na Volta ao
Algarve, corridas onde foi derrotado por Jonas Vingegaard e Santiago Buitrago,
respetivamente.
Seguiu para o Paris-Nice, onde
tinha contas a ajustar, depois de um 8º e um 11º posto em participações
anteriores. A má prestação coletiva no contrarrelógio por equipas aguçou-lhe a
fome e no dia seguinte, bateu Jonas Vingegaard com classe em La Loge de Gardes.
A comunicação social antecipou o grande duelo até ao fim da corrida, mas o
dinamarquês caiu e abandonou no dia seguinte, ao passo que o português perdeu
muito tempo numa bordure, adoeceu... Salvou-se um 6º lugar na geral final, o
que viria a ser o seu pior resultado em provas por etapas, que concluiu, ao
longo do ano.
Abril, maio e junho foram de
nota máxima para o "bota lume", com uma prova por etapas conquistada
em cada um destes meses. Primeiro a Volta ao País Basco, onde venceu duas
etapas e a geral; seguiu-se a Volta à Romandia e aqui foi uma vitória da
consistência, não ganhou nenhuma etapa, mas fez top 3 nas três últimas tiradas,
incluindo o contrarrelógio final, que lhe garantiu o triunfo. A Volta à Suíça
foi a mais desafiante de todas, no primeiro dia cedeu mais de 3 minutos para
uma fuga vitoriosa, que incluía nomes como Vauquelin, Alaphilippe ou O'Connor.
A remontada fez-se passo a passo, incluindo uma vitória com um solo de 49km, e
ficou consumada na cronoescalada final. No total, foram 3 etapas +
classificação geral.
A forma era uma das melhores
da carreira e era neste contexto que se apresentava na Volta a França, ao lado
de Tadej Pogacar. Começou bem, estava entre os melhores e até já tinha lançado
o campeão do mundo para uma vitória, mas uma queda na 7ª etapa destruiu o sonho
do pódio... viria a abandonar dois dias depois.
Recuperou das lesões e pouco
mais de 1 mês depois alinhou na Volta a Espanha, com Jonas Vingegaard como
grande rival. Os prognósticos estavam certos e este foi mesmo o duelo que
marcou as 3 semanas, Almeida ganhou no mítico Angliru, esteve novamente a um
grande nível, mas o antigo bicampeão do Tour foi mais forte e venceu a corrida,
com o português a assinar o segundo pódio da carreira em grandes voltas.
Com 69 dias de competição, o
desgaste era evidente, mas Almeida ainda foi ao Campeonato da Europa, não
alinhou no contrarrelógio e abandonou na prova de estrada, dois dias que em
nada beliscam a sua melhor temporada da carreira.
Para 2026, o cenário aponta
para uma maior centralidade do português nas Grandes Voltas fora do Tour. O
calendário do primeiro terço do ano é quase decalcado de 2025, com Volta à
Comunidade Valenciana, Figueira Champions Classic, Volta ao Algarve, Paris-Nice
e (a novidade) Volta à Catalunha.
Segue-se um estágio de
altitude e o regresso à Volta a Itália, onde tem contas para ajustar, 3 anos
depois. O português contará com um compatriota ao seu lado, António Morgado, e
deverá ter em Adam Yates o seu braço-direito na alta montanha. Deverá medir
forças novamente com Jonas Vingegaard.
Em julho, não haverá Tour, o
que o consolida claramente como número 2 da Emirates, atrás de Tadej Pogacar.
Regressa em Burgos e fará novamente a Volta a Espanha, onde Primoz Roglic deve
ser o principal rival.
Nelson
Oliveira: a longevidade como arma competitiva
Aos 36 anos, Nelson Oliveira
continua a ser uma das presenças mais fiáveis do ciclismo português no World
Tour. A temporada de 2025 voltou a confirmar aquilo que há muito define a sua
carreira: consistência, profissionalismo e uma capacidade ímpar de se adaptar
às necessidades da equipa. Na Movistar, o português mantém um estatuto híbrido,
tanto útil nas longas jornadas de trabalho coletivo como em contextos mais
específicos, como o contrarrelógio e o controlo do pelotão.
Os resultados individuais
foram modestos, destacando-se apenas 3 top 15 em contrarrelógios - Gran Camiño,
Volta ao País Basco e Volta a França (única grande volta que fez) - mas
Oliveira vale muito mais que isso e a prova é que renovou até 2027, continuando
a correr no worldtour até aos 38 anos.
O regresso ao Giro em 2026, já
confirmado, representa mais do que uma simples escolha de calendário. É o
reconhecimento de um corredor que, mesmo numa fase avançada da carreira,
continua a ser visto como peça confiável em corridas de três semanas. O facto
de Nelson Oliveira não fechar a porta a uma eventual presença no Tour reflete
bem essa realidade: continua a ser opção, não por carência, mas por mérito.
O calendário inicial de 2026
aponta para uma preparação metódica, com provas de um dia e corridas por etapas
de uma semana antes do grande objetivo da primavera. Começa no Challenge de
Maiorca, segue para a Volta à Comunidade Valenciana, Figueira Champions
Classic, Paris-Nice e Volta a Itália, alargando o contingente nacional. A
experiência acumulada permite-lhe gerir a forma com precisão, algo que poucos
corredores conseguem fazer ao fim de mais de uma década no World Tour.
Rui
Oliveira: lesões, azares e injustiça
Rui Oliveira viveu em 2025 um
ano de afirmação silenciosa, mas significativa. Sem o mediatismo de outros
compatriotas, o corredor da UAE Team Emirates tem vindo a construir uma
carreira sólida, baseada na polivalência e numa leitura de corrida apurada. A
sua transição do velódromo para a estrada deixou há muito de ser um processo em
curso; Rui é hoje um ciclista plenamente integrado nas dinâmicas do pelotão
World Tour.
Em 2025, foi o lançador de
Juan Molano e quando teve as suas oportunidades, entregou resultados. Somou 12
top 10, com o mais mediático a ocorrer na Volta à Eslovénia, onde levou de
vencida a segunda etapa, mas foi desclassificado por sprint irregular, uma
decisão controversa e injusta, que lhe retirou a possibilidade de somar a
primeira vitória profissional.
Na Volta à Croácia, por
exemplo, só perdeu para um super Paul Magnier. Está a faltar muito pouco para o
gaiense concretizar as boas exibições, será 2026 o ano de afirmação?
Por falar na próxima
temporada, a perspetiva passa por um reforço desse papel. É um ano muito
importante, o último do contrato com a UAE e para já só se conhece o calendário
até ao Paris Roubaix. Começa no Challenge de Maiorca, depois virá a Portugal
para a Figueira Champions Classic e Volta ao Algarve e desta feita não haverá
outra prova por etapas (em 2025 fez o Tirreno, mas abandonou com uma fratura no
pulso), mas sim uma preparação pormenorizada para as clássicas do Norte. Tem
previsto fazer toda a campanha, com destaque para os dois monumentos - Volta à
Flandres e Paris-Roubaix - onde tentará levar Tadej Pogacar à vitória.
Ivo
Oliveira: o ano em que deixou de haver "quases"
As lesões largaram o Ivo, os
azares largaram o Ivo e o Ivo conquistou vitórias. Não uma, nem duas, mas
quatro vitórias (ora bem!). Tudo começou no Giro d'Abruzzo, onde enganou os
sprinters e levou para casa a 2ª etapa, no último dia esteve novamente ao ataque
e venceu no mano a mano com o antigo colega de equipa Sjoerd Bax.
Menos de dois meses depois,
vingou o irmão Rui e venceu a última etapa da Volta à Eslovénia, qual sprinter,
impondo-se na velocidade num grupo de 25 ciclistas. Estas foram provas de
prestígio, mas nada como sagrar-se campeão nacional e exibir as cores de
Portugal na camisola. O Ivo já tinha experimentado isso em 2023 e fê-lo
novamente em 2025, novamente no cenário de sprint a dois, diante de Pedro
Silva.
Ainda foi à Vuelta, foi
essencial na vitória no contrarrelógio coletivo e alcançou um ilustre top 5 no
esforço coletivo, tendo também protegido João Almeida nos terrenos planos e
média montanha, passando largos quilómetros na frente do pelotão. O Ivo que
tinha tantas quedas a estragarem-lhe as temporadas, não concluiu apenas duas
corridas este ano - o mundial de Kigali e o Giro dell'Emilia, corridas onde,
naturalmente, desligou depois de cumprir o seu trabalho.
Em 2026, a expectativa passa
por uma utilização ainda mais estratégica. A UAE continua a ter profundidade
suficiente para distribuir papéis, mas Ivo Oliveira surge como uma solução cada
vez mais completa, capaz de responder tanto em terrenos rolantes como em finais
mais exigentes. Abre a temporada cedo, no Tour Down Under, faz a Figueira
Champions Classic e a Volta ao Algarve, Milão-Turim, Volta à Catalunha, Gran
Camiño, Volta à Romandia, Boucles de la Mayenne, Tour Auvergne - Rhone Alpes
(antigo Dauphiné) e Volta a Espanha, pela quarta vez na carreira. Um calendário
denso, com muitas corridas do World tour e algumas oportunidades para voltar a
erguer os braços.
António
Morgado: entrada de leão e época de aprendizagem
Eu prometo que o título em
nada nos transporta para o meio futebolístico, mas foi a frase certa para
definir o arranque de temporada do caldense. Morgado dificilmente podia pedir
um melhor arranque de temporada, ganhou logo no primeiro dia de competição, no
Gran Premio Castellón, somou pódios e voltou a vencer na Figueira Champions
Classsic, com um solo de 20km.
Nas clássicas sentiu algumas
dificuldades, mas fechou a campanha com um pódio na Flèche Brabançonne, menção
honrosa para o 24º lugar no Paris-Roubaix, onde terminar, por si só, é um feito
estoico.
Só voltou a encontrar boas
pernas no campeonato nacional de contrarrelógio, que venceu, pelo segundo ano
consecutivo. Seguiram-se 3 top 10 em clássicas, uma delas do worldtour, a ADAC
Hamburg Cyclassics, onde foi 7º. Não teve mais lugares de destaque, acusando,
eventualmente, algum desgaste, já que começou a temporada em janeiro e
terminou-a em outubro, perfazendo 64 dias de competição, sem grandes voltas.
Morgado destacou-se sobretudo
pela forma como lê a corrida. Não corre com receio, não espera por permissões
tácitas do pelotão e assume riscos quando sente que o momento é favorável. Essa
abordagem, cada vez mais valorizada no ciclismo moderno, coloca-o numa posição
privilegiada dentro da equipa.
Para 2026, surge um novo
desafio, a estreia numa grande volta. Será no Giro, onde já prometeu dar tudo
para que o amigo João Almeida saia de Itália com o Troféu Senza Firenze nas
mãos. Quanto ao restante calendário, começa novamente por Espanha, neste caso
na Clássica Camp de Morvedre. Repetirá presença no Challenge de Maiorca,
Figueira Champions Classic e Volta ao Algarve. A partir daqui, surge a grande
diferença face a outros anos, não correrá a totalidade da campanha de
clássicas, estando apenas prevista a participação na Volta à Flandres. Segue-se
a Volta a Itália, tem também programadas a Volta à Áustria, Volta à Alemanha e
Volta ao Luxemburgo para a segunda metade do ano.
Afonso
Eulálio: que entrada a pés juntos no World Tour
Afonso Eulálio foi o único
estreante português no World tour em 2025 e consolidou-se com massa consistente
na 1ª divisão do ciclismo. Ainda mal se falava da temporada e já o ciclista
natural da Figueira da Foz estava a brilhar do outro lado do mundo. No Tour
Down Under, Austrália, foi 15º e mostrou ao que vinha. Convenceu a Bahrain e os
colegas Antonio Tiberi e Damiano Caruso e integrou a equipa para a Volta a
Itália, estreando-se em 3 semanas logo na primeira oportunidade.
Em território transalpino,
ajudou os seus líderes e o próprio rubricou uma grande exibição na 17ª etapa,
onde foi 10º, abandonaria 2 dias depois, ficando a duas etapas de montanha de
concluir a sua primeira grande volta. Seguiu-se um longo período de paragem,
regressando de energias renovadas para a segunda metade do ano, onde esteve em
bom nível na Volta a Burgos e na Volta à Grã-Bretanha, nesta última foi 6º na
geral.
Porém, o grande momento do ano
surgiu no Campeonato do Mundo, onde, num dos percursos mais duros de sempre,
fez top 10, à frente de nomes como Pidcock ou Roglic.
Integrado numa estrutura que
aposta no desenvolvimento a médio prazo, Eulálio mostrou capacidade de
sofrimento, resistência mental e disponibilidade para o trabalho coletivo. São
qualidades essenciais num pelotão cada vez mais especializado e competitivo.
Em 2026, espera-se um salto
qualitativo. Não necessariamente em termos de vitórias, elas podem surgir, mas
estou muito curioso para ver a sua prestação em classificação gerais. Será o
único dos portugueses do World tour que não passará pelo nosso país, tem um
calendário bastante "clean". Abre a época no AlUla Tour, no final de
janeiro, manter-se-á pelo Oriente e correrá o UAE Tour, seguindo-se a Strade
Bianche, Volta à Catalunha, Liege-Bastogne-Liege e Volta a Itália novamente,
desta vez com Santiago Buitrago como chefe de fila. O restante calendário ainda
não é conhecido, mas será pouco provável que venha a fazer outra grande volta.
Ruben
Guerreiro: Um ano delicado que marca o fim do convívio entre os grandes
O "cowboy de Pegões"
abriu a temporada com sinais animadores, ao ser 11º na Volta ao Omã e 9º na
Figueira Champions Classic. Depois, o azar voltou a aparecer, sucederam-se os
abandonos e só voltou a estar em destaque em duas clássicas francesas, com 2
top 10. Daí para a frente, esteve longe da discussão, foi preterido dos
alinhamentos das grandes voltas e o desfecho de saída da equipa parecia mais ou
menos evidente.
O que esperar agora? Ruben
Guerreiro tem 31 anos, todos sabemos que tem muita qualidade, mas as lesões
estão a estragar-lhe a carreira. Em termos de lugares disponíveis nas equipas,
são escassos, mas, curiosamente, a Movistar é uma das equipas que ainda pode
inscrever ciclistas, tem 3 vagas. No segundo escalão, há algumas opções, mas as
duas equipas principais - Q36.5 e Tudor - já têm o plantel cheio, pelo que
estaremos atentos e noticiaremos quando a carreira do português tiver um
caminho definido.
Menção
honrosa: Rui Costa, o legado que permanece
A temporada de 2025 marcou o
fim da carreira profissional de Rui Costa. Campeão do mundo, vencedor de etapas
na Volta a França e na Volta a Espanha e uma das figuras mais marcantes do
ciclismo português de sempre, o antigo corredor encerrou o percurso competitivo
deixando um legado que transcende resultados.
Rui Costa foi durante mais de
uma década a principal referência internacional do ciclismo nacional. Abriu
portas, criou precedentes e mostrou que um ciclista português podia vencer ao
mais alto nível sem abdicar da sua identidade. O seu impacto sente-se hoje na
naturalidade com que se fala de portugueses no World Tour.
A sua saída do pelotão não
representa um vazio em 2025, mas sim a passagem de um testemunho. A geração
atual corre num contexto que Rui Costa ajudou a construir.
2026 como espelho de
maturidade coletiva
Olhando para o conjunto, o
ciclismo português entra em 2026 com maturidade. Há líderes, há executantes, há
jovens em crescimento e há veteranos que continuam a ser úteis. Não existe
dependência excessiva de um único nome, nem promessas inflacionadas sem base
competitiva.
Num pelotão cada vez mais
global e exigente, Portugal mantém-se presente, competitivo e relevante. A
temporada de 2026 não promete revoluções, mas oferece algo talvez mais valioso:
continuidade, solidez e a possibilidade real de novos passos em frente.
Num desporto onde nada é
garantido, isso já é uma vitória silenciosa.
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