terça-feira, 19 de agosto de 2025

“"Andamos quase a enganar-nos uns aos outros" José Azevedo traça cenário negro do ciclismo português e revela que vai centrar-se no calendário internacional em 2026”


Por: Miguel Marques

Em parceria com: https://ciclismoatual.com

José Azevedo lançou esta segunda-feira, em declarações à Agência Lusa, fortes críticas ao atual estado do ciclismo português, denunciando um "retrocesso" no combate ao doping e elogiando o trabalho anteriormente desenvolvido pela direção da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), liderada por Delmino Pereira.

O diretor desportivo da Efapel Cycling, que anunciou que a equipa vai privilegiar o calendário internacional em detrimento das competições nacionais já em 2026, sublinhou a importância de "aplicar os regulamentos" para garantir credibilidade à modalidade.

"É preciso haver consciência, ética, fair-play e respeito pelos adversários e por quem investe. E isso foi feito com a direção anterior [da FPC]. Era um caminho de sucesso que estava a ser construído. Muitas vezes falei com o Delmino, que conheço há muitos anos, e ele sabe que sempre fui um dos grandes defensores da implantação do passaporte biológico e da verdade desportiva", afirmou Azevedo.

O antigo ciclista recordou que, mesmo em prejuízo próprio, sempre defendeu a aplicação de regras na sua equipa. "Infelizmente, tive situações de atletas que não estavam neste projeto, mas que tiveram implicações e tiveram de abandonar o ciclismo. São pessoas por quem tenho estima, porque enquanto estiveram na Efapel tiveram um comportamento exemplar. Tenho o máximo respeito por eles. O que está para trás não vou julgar. Mas tomei medidas, porque nesta equipa há regras de que não abdico. Talvez sejamos os únicos a trabalhar dessa forma", destacou.

As palavras de Azevedo remetem para os casos de Rafael Silva e João Benta, antigos corredores da Efapel suspensos devido a anomalias no passaporte biológico.

Para o diretor desportivo, "tudo funcionava" durante a presidência de Delmino Pereira, substituído em novembro por Candido Barbosa após cumprir o limite de mandatos. "Este ano, porém, está a haver um retrocesso. A verdade é essa. Não sei porquê, mas houve um retrocesso. Isso não pode acontecer, porque é penalizador. Claro que nos leva a ponderar se vale a pena continuar a investir no ciclismo português", alertou.

Azevedo deixou ainda críticas ao abandono da formação e à falta de apoios. "Havia apoios da federação para a formação, mas foram cortados este ano. Isso cria dificuldades a todos, porque os investimentos na formação são mais reduzidos", denunciou.

O responsável da Efapel considera essencial juntar todos os intervenientes da modalidade para discutir o futuro, mas frisou que isso só faz sentido se for possível deixar de lado interesses pessoais. "Era muito importante conseguir reunir todos os atores e falar sobre ciclismo. Mas só faz sentido se as pessoas convidadas tiverem a capacidade de esquecer que estão à frente de uma equipa", defendeu.

Para Azevedo, o ciclismo nacional precisa de ser repensado de forma estrutural. "É possivelmente a segunda modalidade mais popular em Portugal. Não tenho dúvidas de que as empresas o veem como um excelente veículo publicitário. Mas precisa de ser repensado. Se tiver que ir mais abaixo para construir de novo, não há problema nenhum", sustentou.

Na sua perspetiva, o panorama atual está longe do ideal: "O ciclismo anda a puxar a manta, mas deixa sempre algum bocado destapado. Andamos quase a enganar-nos uns aos outros. Se tiver de começar da base, que comece. Talvez daqui a cinco ou dez anos tenhamos um desporto sólido, em que as pessoas acreditam, com investimento, salários dignos e retorno mediático para as marcas. Nesta altura, a verdade é que não conseguimos fazer isso, porque não temos comunicação social", lamentou.

Face a este cenário, a Efapel prepara-se para dar prioridade ao calendário internacional. "O projeto Efapel foi repensado no futuro e, no próximo ano, nós vamos procurar calendário internacional, vamos tentar competir o máximo possível no calendário internacional, e possivelmente em Portugal não iremos competir", anunciou Azevedo, revelando que a decisão surgiu quatro anos após a fundação da equipa.

"Não é uma decisão fácil, não é a decisão que nós, possivelmente, mais desejávamos, mas eu acho que, no contexto atual do ciclismo português, uma equipa como a nossa, que se baseia em princípios e comportamentos de ética, de rigor a nível disciplinar, não há vontade de continuar a fazer parte do ciclismo português", reconheceu.

O desencanto é tal que o próprio diretor desportivo admite sentir dificuldade em motivar os jovens da formação. "Então o que é que eu tenho de fazer para fazer algum sentido este investimento? É procurar um calendário internacional, que é o ciclismo em que eu acredito, que é o ciclismo em que eu me revejo, e isso dá aos miúdos o alento de sentirem que nesse ciclismo têm futuro. Infelizmente, em Portugal não há futuro ou o futuro não se vê muito risonho", desabafou.

Sem querer concretizar nomes, Azevedo recordou que "no final do ano, todos os anos, há problemas", numa alusão aos casos de doping conhecidos recentemente ou comentados nos bastidores. "Não se pode permitir que, por exemplo, no ano passado, haja corredores a ganhar provas, quando todos nós sabemos [que vão ser suspensos]. Se calhar não existe motivo para suspender os contratos, mas as equipas podiam deixá-los em casa. Para a verdade desportiva prevalecer, um corredor não deveria estar a competir quando está um processo aberto. E isso compete às equipas e à federação tomar medidas, porque se não vamos descredibilizar o ciclismo", defendeu.

O quinto classificado da Volta a França 2004 e da Volta a Itália 2001 reforçou a importância do passaporte biológico. "Há dois anos criou-se esta ferramenta que foi muito importante. E isso aí foi algo de muito positivo. Deveria ser usado como um instrumento de credibilidade. Mas para isso tem de haver rigor. Rigor, 100%. Não pode haver 99%", frisou.

Desiludido, Azevedo garante que o futuro da Efapel passa longe do calendário nacional: "Não vale a pena. No próximo ano, o nosso caminho é esse. Vamos procurar um ciclismo em que a gente acredite. Se depois este projeto vai durar um ano, dois anos, isso o futuro dirá." Ainda assim, não fecha portas a um regresso: "Temos que mudar a direção, porque este contexto de ciclismo português para nós está esgotado. E um dia que isto mude, possivelmente voltamos a apostar no calendário português. Enquanto se mantiver estes moldes, não vamos estar".

Com a nova aposta internacional, a equipa pode mesmo ficar ausente da Volta a Portugal. "Poderemos fazer provas em Portugal, não vou dizer que não, mas não é a nossa prioridade", concluiu.

Créditos da foto: Jornal Record

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